Moradores de favelas com maior número de conflitos armados desenvolvem mais problemas ligados à saúde mental

Hipertensão arterial, insônia prolongada, ansiedade e depressão. Cerca de 51% dos moradores das comunidades mais expostas a tiroteios sofrem com algumas dessas condições, em comparação a 35,9% dos moradores das comunidades não afetadas por esses casos

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Complexo da Maré

Divulgada neste dia 09/08, Saúde na Linha de Tiro, uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), mostra que pessoas que vivem em comunidades com maior número de conflitos armados desenvolvem mais problemas relacionados à saúde mental em comparação a moradores de favelas com menos tiroteios.

Segundo os dados levantados pelo CESeC, as proporções de adultos com hipertensão arterial, insônia prolongada, ansiedade e depressão são maiores nas comunidades onde esses episódios se repetem sistematicamente se comparadas a outras áreas sem tiroteios constantes. Cerca de 51% dos moradores das comunidades mais expostas a tiroteios com presença de agentes de segurança sofrem com algumas dessas condições, em comparação a 35,9% dos moradores das comunidades não afetadas por esses casos.

Ainda de acordo com os dados, dos moradores das comunidades mais afetadas por tiroteios 29,6% relataram sintomas típicos de depressão em comparação aos 15,7% dos moradores das demais comunidades. Além disso, moradores das comunidades com mais tiroteios têm um risco 42% maior de desenvolver hipertensão e o dobro da chance de sofrer com sintomas típicos de ansiedade em relação aos moradores das outras três comunidades analisadas e com menor incidência desses episódios.

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Outra condição clínica associada à violência armada é a insônia prolongada. A pesquisa estima que a probabilidade de ter insônia é 73% maior para pessoas que moram em comunidades expostas à violência armada.

“Normalmente, as pessoas associam os sintomas imediatos à violência, por exemplo uma palpitação quando começa uma operação com tiros em uma comunidade. As consequências a longo prazo, como a depressão, são menos relacionadas à violência pelas pessoas que vivem em comunidades com esse problema”, pontua Paula Napolião, porta-voz da pesquisa.

Cerca de 30% dos moradores de comunidades submetidas à violência armada relataram efeitos negativos imediatos como sudorese, falta de sono, tremor e falta de ar durante episódios de tiroteio, e 43% dessas pessoas relataram sentir o coração acelerado ao ouvir tiroteios próximos às residências.

A pesquisa Saúde na Linha de Tiro é a terceira etapa do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, que discute os impactos da guerra às drogas, trazendo análises inéditas em quatro áreas específicas: segurança e justiça, educação, saúde e território.

Para a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e do projeto Drogas, “a guerra às drogas afeta toda a sociedade brasileira. Mas, são os moradores de comunidades, pobres e negros que mais adoecem com essa escolha política do Estado. Com essa pesquisa, queremos chamar atenção da sociedade para essa realidade”.

Para chegar aos resultados, em 2022 a pesquisa entrevistou 1.500 moradores maiores de 18 anos, de seis comunidades cariocas semelhantes do ponto de vista socioeconômico, mas expostas a diferentes níveis de violência armada. As comunidades foram divididas em dois grupos: três delas frequentemente afetadas por tiroteios com a presença de agentes de segurança em 2019 e outras três que não são atingidas pelo mesmo tipo de violência, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Foram considerados os tiroteios registrados a um raio de até 400 metros das unidades de saúde desses locais.

Entre as mais afetadas estão: Nova Holanda, uma das comunidades do complexo da Maré, CHP-2, do complexo de Manguinhos, ambas na Zona Norte da cidade, e Vidigal, na Zona Sul. As três comunidades que não registraram tiroteios em 2019 foram Parque Proletário dos Bancários, na Ilha do Governador; Parque Conquista, no bairro do Caju, ambas na Zona Norte do Rio de Janeiro; e Jardim Moriçaba, na Zona Oeste.

O contexto da violência armada no Rio de Janeiro tem uma singularidade em relação às outras cidades no Brasil. Nossos dados mostram que a guerra às drogas impede que as pessoas tenham acesso a um direito básico e universal como a saúde. Compreender os impactos dessa violência é essencial para a formulação de políticas que possam transformar essa realidade”, reflete Mariana Siracusa, coordenadora da pesquisa.

Renan Oliveira, morador da Maré, descobriu ansiedade e reconhece a violência como gatilho: “A gente que cresce em comunidade assim vê muita coisa, perde pessoas próximas para essa violência e tudo isso afeta nossa vida. Fui diagnosticado com ansiedade toda vez que ouço troca de tiros os sintomas surgem mais fortes”.

A psicóloga Catarine de Souza, que trabalha no Sistema Único de Saúde (SUS) e é cria da Pavuna, destaca que tudo o que envolve os problemas de saúde mental em pessoas que moram em comunidades com mais conflitos armados passa pela desvalorização da vida.

“As pessoas têm medo. Muito medo. Ansiedade, depressão, a gente atende, trata, medica, controla os sintomas. Mas tudo é uma questão maior, uma coisa só: as pessoas estão sem perspectivas. Sem expectativa de uma vida nova, melhor. A saúde mental tem tudo a ver com o social. Quanto mais violência nas comunidades, quanto mais pessoas morrem por isso, mais as pessoas se sentem desvalorizadas”, disse a psicóloga.

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1 COMENTÁRIO

  1. Se a guerra do estado contra o tráfico de drogas acabar, o que acontecerá com os arsenais do crime organizado? Serão aposentados? A origem e o desenvolvimento dessa multiplicação armamentista não dá para entender

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