Um vendaval imóvel
Luiz Paulo Horta – O Globo
Nada do que você já leu ou ouviu dizer sobre a Cidade da Música, na Barra da Tijuca, dá idéia do impacto de uma primeira visita. Depois que se sobe a rampa principal, chega-se a uma espécie de planalto de onde se descortinam horizontes imensos.
Por cima e em volta de você, um projeto arquitetônico que é enorme, mas surpreendentemente leve — talvez porque não haja, ou não se percebam, linhas retas. A impressão é de que você está no meio de um vendaval imóvel, com os planos sinuosos de concreto que parecem velas.
Você olha para cima e os espaços se desdobram, como se não fossem acabar nunca. Não conheço nada de remotamente parecido no Rio de Janeiro; e a primeira impressão é de um triunfo arquitetônico, de uma criação original e bem acabada.
Escadas rolantes também imensas levam você à grande sala de concertos e, quando se atravessa a porta, a tentação é dizer “oh!”. É uma sala semelhante ao que há de melhor no mundo, com a platéia descendo suavemente até o palco, camarotes elevados que parecem pairar no espaço, e que se movem. Na noite de sábado, a sala estava em seu “módulo ópera”, com uma cortina negra ao fundo. Mas para concertos sinfônicos, os camarotes podem girar de modo a rodear a orquestra por todos os lados, como acontece, por exemplo, na Filarmônica de Berlim.
Faltava conferir a acústica.
O Hino Nacional regido pelo maestro Roberto Minczuk, à frente da Orquestra Sinfônica Brasileira, talvez não fosse um teste válido.
Mas já soou muito bem a “Abertura Carioca” composta por Edino Krieger especialmente para a ocasião — uma “colagem” da vida musical do Rio de Janeiro, em que percebemos a presença do samba, do choro, da marcha, tudo isso costurado por sugestões da “Cidade Maravilhosa” e pelo superior artesanato de Edino.
Depois, Mozart, que é a melhor maneira de “consagrar” uma sala de concertos: abertura das “Bodas de Figaro” e um “Exsultate Jubilate” que teve a participação brilhante da soprano dinamarquesa Sine Bundgaard.
Mas o teste definitivo veio com a suíte do “Cavaleiro da Rosa”, de Richard Strauss, uma das partituras mais fascinantes da música do século XX. Desta vez, foi uma explosão de cores, a OSB respondendo bem às sugestões do maestro. É a grande orquestra wagneriana que Mahler aperfeiçoou e Richard Strauss levou a requintes de sensualidade.
O som corria bem, e nesse banho de música a sala podia considerar-se definitivamente inaugurada. Mas ainda houve uma segunda parte, no estilo dos concertos de Ano Novo da Filarmônica de Viena: valsas de Strauss, a genial abertura de “O Morcego” e uma ária dessa deliciosa opereta de novo interpretada por Sine Bundgaard.
A classe musical, no final, estava entre eufórica e estupefata.
É claro que ainda há quase tudo por fazer ali — sobretudo, arranjar dinheiro para a manutenção desse vasto complexo. Mas é um complexo cultural que muda a fisionomia da Barra, que incorpora muita coisa além de uma sala de concertos, que pode ser a sede da Sinfônica Brasileira (até agora sem casa própria). E não é coisa que seja feita só para o deleite da Zona Sul: pela Linha Amarela, a Cidade da Música está próxima da Zona Oeste, onde há muito mais apreciadores da boa música do que se costuma imaginar. Vamos torcer para que dê certo.