Um Estudo inédito do Instituto Pólis mostra que negros e famílias de baixa renda são as pessoas mais afetadas por problemas no acesso à energia elétrica em três capitais de diferentes regiões brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), Maceió (AL) e Rio Branco (AC). Os dados apontam que, para as famílias com rendimento mensal de até dois salários mínimos, o principal uso da energia elétrica é para a conservação de alimentos, o que indica risco de insegurança alimentar para essas pessoas. Confira o estudo completo aqui.
A pesquisa do InstitutoPólis foi elaborada a partir de informações fornecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) via Lei de Acesso à Informação (LAI), com dados desagregados por Unidades Consumidoras (UC) de quase todas as distribuidoras de energia do país. As variáveis informam indicadores de consumo, interrupção do serviço, além de classificar o tipo de uso – residencial, comercial, entre outros. A identificação do CEP da unidade consumidora permitiu o georreferenciamento dos indicadores e a territorialização do estudo.
Os dados e análises apresentados na pesquisa demonstram que o acesso à energia elétrica no Brasil ocorre de maneira desigual, com base em marcadores de raça, classe e gênero. Além da desigualdade no acesso, outro problema apontado é a falta de qualidade do serviço em bairros com altos índices de vulnerabilidade social nas cidades pesquisadas. A falta de qualidade resulta em interrupções no fornecimento e risco de acidentes, quando não há rede oficial de distribuição.
Segundo as informações levantadas, o número de famílias pobres energeticamente tem aumentado. “O estudo do Pólis mostra que o Estado brasileiro tem sido negligente em garantir o direito à energia para as famílias mais pobres”, afirma Clauber Leite, coordenador do estudo. “É preciso que as políticas energéticas tenham um caráter interseccional, com enfoques para raça e gênero, para além de classe”.
DESIGUALDADE NA QUALIDADE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
Os dados referentes à iluminação pública apresentados no estudo demonstram a desigualdade no acesso ao serviço nas cidades brasileiras. Nos três casos estudados, a existência de iluminação pública no entorno dos domicílios é deficiente nas áreas de assentamentos informais, apresentando uma taxa de cobertura muito inferior às demais regiões da cidade.
Os indicadores sobre a qualidade do fornecimento de energia elétrica evidenciam como a pobreza energética também tem características socioterritoriais, consequentes das desigualdades de classe, de raça e de gênero nas cidades.
A análise territorial dos indicadores de qualidade demonstra que o padrão do serviço de fornecimento de energia elétrica não é territorialmente homogêneo nas cidades avaliadas. A desigualdade na qualidade do serviço é notada através dos indicadores de Frequência de Interrupção Individual por Unidade Consumidora (FIC) e de Duração de Interrupção Individual por Unidade Consumidora (DIC).
Os pesquisadores alertam que o preparo e a capacidade de resposta da população residente nas periferias – e demais localidades com piores índices socioeconômicos – são mais limitados. Famílias de menor renda têm menos recursos materiais para lidar com as interrupções e com as consequências da queda da rede elétrica, quando comparadas com domicílios onde a renda é superior a 10 salários mínimos.
RIO DE JANEIRO: ÁREAS DE FAVELAS SÃO AS MAIS AFETADAS
Quanto à iluminação pública, 81,8% dos domicílios cariocas possuem postes de luz em seu entorno imediato, o que indica uma cobertura deficiente na cidade. Entretanto, o serviço é ainda mais deficitário em áreas de favela, onde a cobertura é de apenas 41,0%.
Na capital fluminense, apenas 67% dos domicílios em aglomerados subnormais (nomenclatura usada pelo IBGE para identificar ocupações irregulares em áreas urbanas) possuem energia elétrica proveniente de companhia distribuidora e com medidor com uso exclusivo. A existência do serviço também é identificada em mais 33% dos domicílios do município localizados nessas áreas – no entanto, trata-se de energia proveniente de outra fonte que não a distribuidora.
A média da quantidade de interrupções nas Unidades Consumidoras residenciais na cidade foi de 3,51 no ano de 2020, sendo que tais descontinuidades no fornecimento de energia somaram, em média, 5,25 horas no mesmo período. Os mapas da cidade, no entanto, demonstram que a FIC e o DIC mais elevados foram registrados, sobretudo, nas áreas de menor renda, subúrbios e favelas.
A frequência de interrupções é maior nos setores com rendimento mensal igual ou inferior a 3 salários mínimos (4,64 no ano), nas unidades consumidoras residenciais classificadas pela concessionária como “baixa renda” (3,82), nos setores onde a população negra residente é proporcionalmente maior que a média municipal (4,11) e nas áreas de favela (4,82). A duração dessas interrupções também é superior às médias da cidade, com destaque para os setores de renda domiciliar média com até 3 salários mínimos (8,45 horas no ano) e para as favelas (7,92 horas). Em contraste, as áreas de média e alta renda, as áreas de maior concentração da população branca e os setores onde não existem favelas possuem indicadores melhores.
As comparações demonstram que as diferenças mais sensíveis são observadas na duração das interrupções, que são mais demoradas em territórios populares (de baixa renda e/ou favelas) e em setores com maior concentração de pessoas negras. As interrupções em áreas de mais baixa renda são 69% mais frequentes, mas são 132% mais duradouras que nas áreas de média e alta renda do Rio de Janeiro. Vale observar que as interrupções não parecem estar relacionadas com a demanda de energia local, visto que as áreas de maior consumo mensal são justamente aquelas onde as interrupções são menos numerosas e menos prolongadas, como nos bairros da zona sul e região costeira da zona oeste.