Nova Cidadania Italiana: o que muda para os brasileiros descendentes e por que a proposta causa polêmica

Nesta coluna, um olhar jurídico e cultural de um ítalo-brasileiro sobre os impactos e polêmicas da reforma que promete mudar o acesso à cidadania ius sanguinis.

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Imagem gerada por Inteligência Artificial

O ano de 2025 marca uma virada significativa na legislação italiana referente à cidadania. Com a nova proposta de lei surgem mudanças importantes que atingem diretamente os brasileiros descendentes de italianos. O Brasil, um dos países que mais recebeu imigrantes italianos, conta hoje com milhões de pessoas que reivindicam ou têm interesse na cidadania italiana por ius sanguinis. Nesta coluna, como jurista e cidadão com dupla nacionalidade, ofereço uma análise bilíngue sobre as novas regras, seus impactos e o que ainda pode mudar.

  1. O que é cidadania por ius sanguinis?

              A cidadania por ius sanguinis é o direito de uma pessoa adquirir a nacionalidade de um Estado por descendência sanguínea, ou seja, pelo simples fato de ter ancestrais daquele país. No caso italiano, essa forma de aquisição cidadã tem sido uma das mais acessíveis do mundo, sem limite de gerações, desde que se comprove a linhagem e que não tenha havido renúncia ou perda da cidadania no caminho geracional.

  • Um direito humano ameaçado: o princípio da vedação ao retrocesso social

              Mais do que uma questão administrativa ou legislativa, a cidadania por ius sanguinis constitui uma expressão concreta de um direito humano e cultural fundamental. Ela garante a preservação da identidade, da memória histórica e do vínculo entre comunidades transnacionais. A tentativa de limitar esse direito representa uma clara violação ao princípio da proibição do retrocesso social, consagrado no direito constitucional contemporâneo e também reconhecido por organismos internacionais de proteção aos direitos humanos.

              O princípio da vedação ao retrocesso social impede que o Estado suprima, restrinja ou enfraqueça direitos já conquistados por meio de normas infraconstitucionais e constitucionais, especialmente aqueles de natureza cultural, identitária e associada à dignidade da pessoa humana. No caso italiano, a cidadania por descendência vem sendo reconhecida há décadas de maneira contínua e irrestrita, o que consolida uma legítima expectativa jurídica para milhões de descendentes em todo o mundo.

              A proposta, ao limitar gerações, afronta esse princípio e deve ser considerada inconstitucional, por violar cláusulas de proteção de direitos fundamentais e compromissos internacionais assumidos pela Itália.

  • Discriminação e desigualdade entre cidadãos


              Além da inconstitucionalidade por retrocesso social, a proposta também é discriminatória, pois cria desigualdade de tratamento entre cidadãos com base em critérios arbitrários como a geração de nascimento ou a residência no território italiano. Tal distinção não apenas exclui descendentes diretos com laços culturais profundos, mas fere o princípio da isonomia, na medida em que trata de forma desigual cidadãos em situação análoga.

              Enquanto filhos e netos poderão ser reconhecidos, bisnetos com a mesma linha de transmissão e com documentação idêntica serão rejeitados, criando um cenário de exclusão histórica e jurídica sem justificativa razoável. Trata-se, portanto, de uma reforma que ameaça direitos consolidados, fere a dignidade dos descendentes e prejudica relações históricas de afeto e pertencimento entre Brasil e Itália.

  • O que muda com o novo projeto de lei?

              A nova proposta de reforma visa restringir o acesso à cidadania italiana por descendência. Entre os pontos principais estão:

  • Limitação geracional: a cidadania italiana só poderá ser transmitida até a segunda geração (netos).
  • Valorização do vínculo entre o cidadão no exterior e a Itália.
  • Residência na Itália para alguns casos: pode ser exigido período de residência em solo italiano.

              A proposta é provisória, pois ainda necessita de aprovação do Parlamento, mas a maioria dos analistas acredita que ela será confirmada em seu cerne.

  • Por que os brasileiros são diretamente afetados?

              Estima-se que mais de 30 milhões de brasileiros tenham algum grau de ascendência italiana. O Brasil foi o segundo maior destino de italianos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Com milhões de processos em andamento ou por iniciar, a limitação a duas gerações corta grande parte dos descendentes diretos.

  • Argumentos a favor e contra a reforma

A favor:

  • Modernização do sistema de concessão de cidadania.
  • Redução da sobrecarga administrativa nos consulados.
  • Fortalecimento do vínculo cultural e linguístico.

Contra:

  • Viola o princípio histórico da cidadania italiana como direito de sangue.
  • Ignora a realidade da emigração italiana no século XIX e XX.
  • Afasta milhões de pessoas com vínculo afetivo, familiar e cultural com a Itália.
  • O que fazer agora?

Para os interessados, o momento é de urgência:

  • Reunir toda a documentação genealogicamente válida.
  • Iniciar processos judiciais ainda em 2025.
  • Consultar especialistas sobre possíveis exceções e recursos legais.

Considerações finais

              Como brasileiro e italiano, entendo o valor simbólico e concreto da cidadania italiana para tantas famílias. A reforma não encerra a história da italianità no Brasil, mas impõe um novo capítulo que exige atenção, organização e, sobretudo, informação segura.

              Esse momento também deve ser visto como uma oportunidade de fortalecimento dos laços entre Brasil e Itália. Mais do que documentos e certidões, trata-se de valorizar uma herança cultural que moldou regiões inteiras do nosso país. Com o engajamento da sociedade civil, universidades, advogados, consulados e entidades de descendentes, é possível construir uma resposta coletiva que respeite os direitos históricos das famílias brasileiras com sangue italiano.

              Por fim, a cidadania é um direito, mas também um elo de pertencimento. Cabe a todos nós, descendentes, juristas e cidadãos, manter viva essa ponte entre continentes e fazer dela um caminho de reconhecimento mútuo.

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