O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a Lei 14.334, de 2022, que proíbe a penhora de bens de hospitais filantrópicos e santas casas mantidos por entidades certificadas como beneficentes de assistência social. Como é sabido, muitas vezes este tipo de hospitais – na maioria das vezes ligados a instituições religiosas – detém muitos imóveis, fruto da contínua doação feita por pessoas e fiéis no decorrer das décadas – e, em alguns casos, muitas vezes séculos.
É notório o caso da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, que chegou a possuir milhares de imóveis distribuídos por toda a cidade, e que durante os últimos anos acabou perdendo uma quantidade chocante de propriedades, muitas vezes de forma considerada ‘estranha’ por especialistas; em, 2013 o provedor da instituição, Dahas Zarur, foi afastado após denúncias de fraudes na venda de imóveis. A instituição ainda detém uma quantidade grande de imóveis, que originalmente eram alugados, gerando receita para a manutenção de suas obras, assim como ajudavam na operação dos 13 Cemitérios que eram por ela geridos.
A Santa Casa do Rio é proprietária, ainda, de imóveis emblemáticos, como é o caso do Palacete São Cornélio, na rua do Catete, que se encontra praticamente em ruínas. Era também dona do terreno em frente ao Shopping Rio Sul, que se transformou num grande empreendimento imobiliário após venda feita à Odebrecht e ao fundo imobiliário do Opportunity. Lá, as lojas pertencem ainda à instituição, assim como diversos sobrados históricos na região central e por toda a cidade. Recentemente, a Santa Casa perdeu, em leilão, três belos prédios no Flamengo, que foram alvo de uma reportagem do DIÁRIO DO RIO e formavam um quarteirão inteiro.
Outra instituição que vendeu dezenas de imóveis foi a Venerável Ordem Terceira, ex-proprietária de grande parte da rua da Carioca. Na ocasião, contraíra dívidas junto a um banco, e teve que vender os imóveis para saldá-la. Diversas outras ordens religiosas são mantenedoras de hospitais e clínicas no Rio de janeiro.
Com a mudança na lei, fica permitida apenas a penhora de itens de decoração, como obras de arte e adornos — que são bens considerados supérfluos pela Justiça.
A proibição de penhora passa a valer para processos de natureza civil, fiscal ou previdenciária. As exceções são os casos de processos movidos para cobrança de dívida relativa ao próprio bem (inclusive dívida contraída para aquisição desse bem), para execução de garantia ou em razão de créditos trabalhistas (e suas respectivas contribuições previdenciárias).
É importante notar que embora muitas destas instituições se declarem Católicas, elas não estão sob o controle da Igreja Católica Romana. São formalmente associações privadas de fiéis católicos, mas geridas pelos seus próprios associados. Cada uma tem um CNPJ distinto e os bispos e padres católicos ligados à Arquidiocese não têm real ingerência sobre eles. Como são instituições muitas vezes centenárias – a Santa Casa tem mais de 400 anos – antes do advento da República (1889), poderiam facilmente sofrer intervenções da Igreja Católica. Hoje, ele tipo de intervenção é extremamente difícil, e tais associações acabam, na prática, tendo uma vida completamente separada das arquidioceses, salvo nos casos em que alguns de seus membros – por coincidência – sejam os mesmos.
Tramitação
O texto que passou no Senado foi o mesmo que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, onde teve origem. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) foi o relator do PLC 115/2017.
Rose de Freitas (MDB-ES) foi a autora da única emenda apresentada ao projeto. Ela afirmou que alguns dispositivos “mostram-se contaminados pelo vício da injuridicidade”. Devido a isso, a senadora sugeriu um rearranjo de artigos e previsões sobre as exceções dos casos de impenhorabilidade.
Heinze reconheceu o aprimoramento previsto na sugestão, mas rejeitou a emenda de Rose de Freitas. Ele alegou que a mudança no texto faria o projeto retornar à Câmara dos Deputados para nova análise, atrasando sua aprovação pelo Congresso Nacional e ocasionando “enorme prejuízo” às entidades beneficiadas. O relator fez apenas um ajuste de redação, para acertar uma referência legal.