O Inepac: desmonte, renovação, “o novo”

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Foto: Cais do Valongo

Por Lia Motta

Os adjetivos usados para descrever o que vem acontecendo no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro (INEPAC), com a exoneração de servidores e sua distribuição para outros órgãos do Estado, são menos importantes do que o comprometimento real da continuidade dos trabalhos de preservação do patrimônio cultural do Estado e da exploração do seu potencial econômico.

E por que os trabalhos estão comprometidos? A compreensão do significado de patrimônio cultural pode ajudar a responder a essa pergunta. Em essência, o patrimônio deriva da permanente apropriação e reapropriação de bens culturais por meio das quais lhe são atribuídos significados como referências de memória e identidade. No poder público a apropriação e atribuição de significados se dão por meio da produção de conhecimento a respeito dos bens e de seus grupos produtores e usuários, podendo resultar em ações de preservação, sustentadas e enriquecidas pela troca constante com os diversos sujeitos envolvidos. E esta compreensão também nos ajuda a pensar o INEPAC como lugar de destaque na produção pioneira de um conhecimento que resultou em casos exemplares de cuidados com nossa história.

Antes de a mídia exaltar o Cais do Valongo, merecedor do título de Patrimônio Mundial em 2017, como referência da memória da escravidão, a Pedra do Sal, símbolo dessa memória e da cultura negra, na mesma região da Cidade do Rio de Janeiro, já havia sido tombada, em 1984, pelo INEPAC. No tombamento do centro histórico de Petrópolis, em 1982 e 1983, numa ação integrada à comunidade local organizada, solicitante do tombamento, e às diferentes instâncias de poder – municipais, estaduais e federais – o INEPAC teve atuação importante, participando das ações de preservação do sítio. Os inventários promovidos pela instituição, para produção de conhecimento sobre os bens culturais do Estado do Rio de Janeiro, em suas diversas regiões, foram desenvolvidos já na década de 1970, ganhando um novo impulso na década de 2000 quando as equipes contratadas foram a campo com base em estudos sobre a ocupação do território desde o século XVI. Estes exemplos nos dão a dimensão da importância do INEPAC e de como é necessária sua continuidade sem as reduções comprometedoras de sua integridade.

A perda de técnicos, há anos dedicados às práticas de preservação e valorização dos sentidos que os bens têm como patrimônio cultural é irreparável. O INEPAC caminha para meio século de existência em sua rica dinâmica de conhecimentos acumulados. Sua renovação para um novo INEPAC pode ser de fato a extinção de sua força institucional, deixando o patrimônio cultural sob seus cuidados à mercê de decisões nocivas a continuidade de uma história que se esvairá no rastro dos que estão sendo afastados prematuramente.

Bom exemplo nos deu Aloísio Magalhães, quando assumiu a direção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1979. Ele trazia novas ideias de patrimônio cultural, valorizando a diversidade e seu sentido como referência dos grupos produtores dos bens. Podia fazer contratações por meio da Fundação Nacional Pró-Memória, criada por ele, o que não o levou a dispensar os servidores que estavam no IPHAN. Abriu-se naquele momento um importante diálogo que até hoje gera frutos para a preservação do patrimônio brasileiro.

No mundo contemporâneo, mais do que nunca, é importante mantermos as referências de nossas identidades, pelo direito a memória, à história e à valorização dos bens como motor de uma economia baseada nas nossas peculiaridades. O Estado do Rio de Janeiro é território especial neste contexto, acumulando vestígios de uma história de 500 anos e destacando-se por sua antiga condição de capital do Império e da República. Há muito ainda por descobrir, estudar e preservar; o fortalecimento institucional, sem perdas, é condição insuperável se mantivermos este objetivo. Rio de Janeiro, 07 de agosto de 2019. Lia Motta Arquiteta e Urbanista – Conselheira do Conselho Estadual de Tombamento do INEPAC de 1995 a 2011.

* Lia Motta Arquiteta e Urbanista – Conselheira do Conselho Estadual de Tombamento do INEPAC de 1995 a 2011

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