Ramiro: O legado de uma passagem

No texto, Luiz Carlos Ramiro Júnior aborda a sua trajetória à frente da Fundação Biblioteca Nacional, no Centro do Rio de Janeiro

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Fachada da Biblioteca Nacional no Centro do Rio | Foto: Rafa Pereira - Diário do Rio

Presidi por menos de um ano a Fundação Biblioteca Nacional, mas deixo um legado de respeito, dedicação e projeção da mais antiga e profunda casa de memória do Brasil.

Na última segunda-feira (01/jan/2023) fui exonerado do cargo de Presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Escrevi nas redes sociais um relato sobre esse ocaso, dando conta daquilo que aprendi, das ações desenvolvidas e o que procurei deixar. Antes de mais nada, agradeci.

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O ex-presidente da Biblioteca Nacional, Luiz Ramiro

Em 2019 recebi o telefonema do recém-indicado para dirigir a Biblioteca Nacional do Brasil, o professor Rafael Nogueira, que na ocasião me convidava para fazer parte de sua equipe, como coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Editoração. Dois anos depois ele se dirigia a Brasília para assumir a Secretaria de Economia Criativa e Diversidade, e, após um mês com a presidência vacante, fui nomeado. Junto com o próprio Rafael, o barão de Ramiz Galvão e Manoel Cícero Peregrino, estava entre os mais jovens a assumir o tão importante posto, aos 36 anos.

Fosse como diretor, fosse como presidente, procurei cumprir com aquilo que mais admirava nos servidores públicos, e para mim deveria ser a correção dos vícios do funcionalismo brasileiro: servir as pessoas, servir a instituição, servir a pátria. Assumi uma agenda intensa, onde procurei trazer as melhores pessoas, envolver os mais dispostos, agitar a instituição para que fosse percebida por autoridades e personagens públicas, proporcionar meios para versar o imenso ao grande público, e pudesse ir além de apenas um repositório físico ou digital. E ir além, incentivar o contato da população com a Biblioteca Nacional – entre pessoas deficientes, deficientes visuais, surdos e mudos,  crianças, estudantes e turistas de todas as partes.

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No curto espaço de menos de três anos, entre o tempo como coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Editoração e a Presidência da Biblioteca Nacional do Brasil, muito foi feito à elevação, restauração e preservação da cultura nacional. A lista de realizações está estampada no cotidiano de notícias do portal da FBN em suas redes sociais, nos pronunciamentos, nas recepções, nos lançamentos, e em todos os processos administrativos internos. Em breve, no Relatório de Gestão 2022 sairá outra forma de aferir a dimensão dos feitos.

A postura na gestão foi muito franca, com portas abertas ao diálogo contumaz, sem restrições ou reticências. O Gabinete e a Diretoria sempre estiveram franqueados às queixas, aos elogios, aos pedidos, às propostas e aos pensamentos sobre o futuro.

As lives, a mobilização das redes sociais, a ampliação do acesso, a atração de pesquisadores, o envolvimento com instituições nacionais e estrangeiras, a presença para além do Rio de Janeiro, foram movimentos que tiveram como propósito fazer da Biblioteca Nacional algo além do repositório. O canal do Youtube passou nos últimos anos de 2 mil para mais de 9 mil, a conta oficial do Instagram foi dos 30 aos quase 85 mil seguidores. O número de visitantes ao portal da BNDigital no ano passado superava os 7 milhões mensais, e no mesmo período mais de 9 mil pesquisadores atendidos, sendo a maioria de fora do Rio. A visitação ao prédio sede tem picos nas férias de aproximadamente 2 mil pessoas.

A Biblioteca Nacional do Brasil é uma verdadeira representante do país para si e para o mundo, não apenas pelos seus mais de 9 milhões de itens, e cerca de 3 milhões digitalizados, mas por suas ações capazes de expor maravilhas e permitir pesquisa, acesso ao conhecimento e difusão. Além do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP), em 2022 foram realizadas as pesquisas dos 21 projetos contemplados no Edital 34/2021 da FAPERJ, especial sobre a Independência do Brasil, fruto de parceria com a SECTI/Gov. do Estado do Rio de Janeiro e com a FBN. O Programa de Tradução, que é o patrocínio da literatura brasileira para fora, incorporou o tema do Bicentenário e permitiu editoras nacionais que quisessem se aventurar no mercado exterior. A Biblioteca Nacional é responsável pelo Prêmio Camões, o maior da língua portuguesa, e ainda realiza o Prêmio Literário nacional em oito categorias, que voltou a ser celebrado fisicamente.

A FBN foi acima de tudo protegida. Logo no início da minha gestão consegui destravar o processo para obtenção do certificado completo de combate a incêndio no prédio sede. Depois de mais de uma década, o certificado foi um verdadeiro troféu. Poucas instituições estão tão bem protegidas e certificadas, o que contrasta com a tragédia do Museu Nacional em 2018, que gerou uma atenção e tensão para que aquela catástrofe não se repetisse.

Destaco ainda a importância da FBN para o Rio de Janeiro, que ao invés de se reduzir a algo local, cumpriu sua vocação de expressão cosmopolita. Outra diferença com relação ao passado, quando a instituição perdeu preciosas atribuições, como o Sistema de Bibliotecas Públicas, o Departamento do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, e tudo aquilo que fora desdobramento da mais contínua política pública para o livro e a leitura no Brasil, o Instituto Nacional do Livro (INL) – justamente, criado dentro da Biblioteca Nacional. Recentemente (2019) perdera a atribuição de oferecer o serviço do ISBN, o RG do livro. Para estancar esse esvaziamento foi preciso projetar a FBN para além das exposições físicas e dos eventos paroquiais, fosse com a ampliação de lives no canal do Youtube e noutras mídias, como retomar e afixar o caráter nacional dos editais, dinamizar o relacionamento com escritores e editoras de todo o país, trazer um público diversificado, resgatar o Projeto Resgate “Barão do Rio Branco”, incentivar as ações do PLANOR – Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras, melhorar os serviços – como através da criação do balcão eletrônico do EDA – Escritório de Direitos Autorais, potencializar os instrumentos de indução de leitura e do acesso ao conteúdo digital – como através dos Dossiês, Exposições virtuais e da visita 3D ao prédio sede, cujos números até dezembro foram superiores a 300 mil acessos.

O relacionamento com instituições e pessoas extra-muro foi tamanho que a partir de um certo momento os muros deixaram de existir. Cotidianamente a instituição recebe personalidades nacionais e estrangeiras. O resultado maior desse envolvimento foram as homenagens, sobretudo pela retomada da Medalha Biblioteca Nacional – Ordem do Mérito do Livro, que contemplou 200 pessoas em alusão aos 200 anos da Independência do Brasil. E, como um abraço de pessoas devotadas à cultura, foi possível incentivar a criação de uma instituição de apoio, com o diferencial da gestão de fundo patrimonial: a AABNB – Associação de Apoio à Biblioteca Nacional do Brasil, sendo um braço de captação e gestão de projetos.

Luiz Carlos Ramiro Junior, cientista político, presidiu a Biblioteca Nacional de março de 2022 até o último dia 2/1; ex-Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, professor, doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ, co-autor de “Rio, 2o Distrito Federal. Diagnóstico da crise estadual e defesa da federalização, Ed. Jaguatirica, 2021”.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Ramiro, você só será lembrado pelo lamentável episódio em que se utilizou da Biblioteca Nacional para dar uma medalha a um policial golpista. O país e a instituição não sentirão sua falta.

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