Poucos lugares no Rio são tão democráticos e incríveis quanto o Parque do Flamengo. É difícil mesmo achar alguém que não seja encantado por aquele território de mais de um milhão de metros quadrados, desenhado com esmero por Lotta de Macedo Soares, Affonso Eduardo Reidy e Burle Marx. Com a Praia do Flamengo balneável, então, é covardia: o carioca é mais diverso, plural e feliz no Aterro. Dias atrás, porém, o alerta do menino João Pedro viralizou nas redes sociais. O menino aparece num vídeo fazendo duras críticas à falta de conservação do Parque das Crianças, que integra o complexo de lazer: “Tem cocô ali, lesma, mosquitos, está fedorento”, relata João, enquanto chama atenção para a falta de limpeza. “Prefeito, está tudo sujo”, reclama o menino, de 6 anos. O parquinho na altura das ruas Buarque de Macedo e Correia Dutra.
O recado do pequeno João deve servir para a prefeitura olhar com mais atenção a esse patrimônio da cidade. Também não são poucas as críticas em relação a serviços diversos que utilizam o parque urbano – usam e abusam e deixam como legado apenas descaso e, às vezes, um tremendo mau cheiro. Na última quinta-feira (2), trabalhadores responsáveis pela retirada de banheiros químicos foram vistos deixando dejetos de banheiros químicos diretamente na calçada. O resíduo, que deveria ser transportado de forma adequada para descarte em locais apropriados, virou parte da paisagem, gerando uma imundície e um odor insuportável.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há 60 anos, o Aterro, é pena, vem perdendo verde – e muita gente talvez nem saiba disso. Acometidas por doenças ou pela falta de adaptação ao clima do Rio, muitas árvores do Parque do Flamengo foram morrendo ao longo dos anos. Em 1965, o paisagismo de Burle Marx estabeleceu a meta de plantio de 16 mil árvores. Ao final dos anos 1980, o botânico Luiz Emygdio de Mello Filho contabilizou aproximadamente 12 mil indivíduos arbóreos. Nos anos 2000, eram cerca de 10.500. O levantamento mais recente, feito pela Biovert com a BR Marinas, indica a presença de apenas 9.930 árvores. Entre as dez espécies de árvores mais numerosas no parque seis são exóticas e quatro, nativas. Em suma, faltam mais de 6 mil árvores para o Parque do Flamengo ter um paisagismo à altura de sua importância histórica.
Recentemente, a prefeitura encomendou um projeto de concessão de parques que incluía o Aterro do Flamengo. O município alega que a concessão permitirá repassar para a iniciativa privada os custos de manutenção dessas áreas e redirecionar os recursos para outros setores da administração pública. E assegura estar fora de cogitação a cobrança de ingressos.
O Aterro precisa, sim, de um choque de gestão do poder público – e não de uma empresa responsável por sua gestão. Há recursos suficientes para mantê-lo bonito e aprazível. Recentemente, a Avenida das Nações Unidas e as avenidas da Praia de Botafogo e da Praia do Flamengo receberam portentosa iluminação LED. Fundamental para garantir mais segurança aos frequentadores. É claro que o Parque do Flamengo, indissociável da paisagem cultural do Rio, pode ser melhor. Que o alerta do menino João não seja em vão.