Por André Delacerda.
Na primeira parte da entrevista, o presidente do IPP, Sergio Besserman, fez uma breve explicação sobre o Instituto Pereira Passos, os principais projetos em andamento. Besserman, também nos contou como foi iniciado na causa ambiental, e o seu interesse pelos estudos científicos sobre o assunto, que culminam em ações da sua gestão a frente do IPP. Ele enaltece também o fato de o Rio ser uma cidade de destaque internacional nas questões ambientais. E começa a falar das ações conjuntas entre os vários órgãos municipais, na busca de soluções para o Aquecimento Global.
Nesta segunda parte da entrevista Besserman, que compõe a série de reportagens O Rio e o Aquecimento Global. É a vez de se falar sobre o Protocolo do Rio, os ganhos que a cidade tem em estabelece-lo.
O presidente do IPP vai mais além, aguçando o interesse dos nossos leitores, com importantes explicações científicas sobre o degelo nos pólos. Ele também, faz revelações sobre as áreas da cidade que podem sofre danos com o aumento da elevação dos oceanos. Cometa os principais assuntos discutidos no Seminário Rio Próximos 100 anos. E fala do papel da sociedade carioca, neste tema tão importante para a sobrevivência do Planeta.
Diário do Rio – O que consiste o Protocolo do Rio?
Sergio Besserman – A mudança global do clima afetará todos os aspectos da vida das cidades do planeta neste século. As questões urbanas, aliadas aos fatores de produtividade, redução de pobreza, mobilidade, qualidade de vida e características das construções, passarão a ter respostas consistentes apenas no contexto dessa luta contra o aquecimento global e a elevação do nível do mar.
Nessa realidade, o Rio de Janeiro tem um lugar especial entre as grandes cidades do mundo. Para a população carioca, a mais escolarizada das capitais brasileiras, as questões ambientais são fundamentais em seu dia-a-dia porque sofrerá os impactos decorrentes da elevação do nível do mar devido ao fato de ser uma cidade com extensa faixa litorânea.
Com essa preocupação, a prefeitura lançou o Protocolo do Rio, iniciativa do prefeito da cidade através de decreto e que tem como objetivo a conscientização e mobilização da sociedade sobre a gravidade da questão climática, além de propor soluções práticas para evitar os piores cenários divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança de Clima (IPCC).
Diário do Rio – Qual a importância de a cidade do Rio de Janeiro em estabelecer este protocolo?
Sergio Besserman – Isto é uma importância política e simbólica da cidade se somar a luta de organizações da sociedade civil, empresas, governos variados no mundo, paises, estados e cidades, contra o aquecimento global, esse é um engajamento permanente. Fazemos parte hoje de uma rede de quarenta cidades, as maiores cidades do mundo na luta contra o Aquecimento Global. Há uma importância enorme nos trabalhos de planejamento, porque parece muito tempo, mas não é. Obras que estão sendo realizadas e principalmente o planejamento de obras e políticas públicas para os próximos 5, 10, 20 anos, se incorporar o aquecimento global, terá mudanças significativas. Certamente a cidade se preparar já com o planejamento de enorme importância. E favorecer também o exercício da cidadania cobrando dos governos, das empresas da cidade, das organizações, que a cidadania esteja em condições de acessar a informação do conhecimento a respeito e cobrar dos diversos atores econômicos e sociais um posicionamento.
Diário do Rio – Tem sido veiculado nos grandes jornais mundiais que o derretimento das calotas polares está ocorrendo além do que os cientistas previam. Estima-se que estes efeitos já possam ser sentido já nas próximas décadas com uma elevação do volume das águas dos oceanos. O Rio sendo uma cidade litorânea deve sofrer as conseqüências desse desastre natural. Gostaríamos que o senhor falasse mais especificamente sobre o que IPP vem desenvolvendo, e quais soluções serão propostas para cidade, neste tema avanço das marés?
Sergio Besserman – O Intergovernamental Panel on Climate Change, no seu último relatório publicado em fev de 2007, faz uma estimativa de elevação do nível do mar entre 20 e 60 cm, mais provável de 40 cm até o final do século. Entretanto essa estimativa que já exige muitos estudos. O mar já está subindo, sempre são níveis médios. Então é claro que em situação de ressaca, tempestade, mar cheia, lua cheia. Eventos comuns no Rio de Janeiro. O forçamento sobre a infra-estrutura da cidade vai muito além desse nível médio de elevação do nível do mar. Portanto mesmo nesta previsão do IPCC que é conservadora, já é fundamental começar a se preparar, e a planejar, obras, e muitos estudos sobre este tema. Mas até para aguçar a curiosidade cientifica dos nossos leitores, a ciência está extremamente preocupada e investigando, o que ocorrerá com os mantos de gelo da Groelândia e do leste do Pólo Sul Antártico. Porque na previsão do IPCC, conservadora repito. É considerado apenas a expansão térmica do oceano. Expansão do volume do oceano, por conta do aquecimento da água. Água quente ocupa mais volume, do que água em temperatura ambiente, e o derretimento linear das geleiras, incluindo ai os mantos de gelo. Pólo Norte não entra nessa conta porque ele já está boiando, então embora afete o clima, a economia de muitas formas, seu derretimento não eleva o nível do mar.
Já os mantos de gelo da Groelândia e do Pólo Sul, se tiverem um derretimento estritamente linear ligada ao aquecimento. Confirmarão a precisão do relatório passado pelo IPCC. Mas há uma dinâmica em terra desses mantos de gelo, muito complexa, pouco conhecida. Há rios, há lagos. A ciência está extremamente preocupada com, por exemplo, a lubrificação onde o gelo entra em contato com o solo a partir de água líquida, que pode acelerar o avanço das correntes de gelo em direção ao oceano. Da mesma maneira o colapso das plataformas que estão no mar é preocupante porque eles exercem uma resistência sobre essas correntes de gelo. Qualquer aceleração dessas correntes de gelo faz com que o cenário de elevação do nível do mar nos próximos cem anos, mas já na próxima década, se altere muito significativamente.
Iremos descobrir o que irá se passar nos próximos anos, três a dez anos. E vale a pena prestar muita atenção.
No caso do IPP, nos estudamos também um cenário de um metro e meio de elevação do nível do mar, sempre repetindo, um metro e meio na média. Portanto condições extremas, a uma pressão maior. E claro esse é um cenário mais preocupante do que o anterior.
No cenário 40 cm, de 60 cm, o Rio de Janeiro estar perfeitamente dotado, para planejar e executar as obras necessárias nas áreas mais críticas. No cenário de um metro e meio, não se trata de catástrofe, mas o planejamento e a quantidade de dinheiro que a cidade vai usar para se adaptar é muito expressivamente maior.
Diário do Rio – A cidade em si tem uma elevação considerável acima do nível do mar?
Sergio Besserman – O Rio de Janeiro. Vamos pegar um bom exemplo: Copacabana.
Embora seja uma cidade costeira, o fato é que no Rio de Janeiro em geral, as construções estão numa altitude considerável. Copacabana, é um bairro a beira mar, onde eu moro a 50 anos, as construções estão a um metro e meio. Mesmo uma elevação do nível do mar de 20 cm, o que ocorreria nas próximas décadas, já tem impacto sobre Copacabana. Será preciso estudar as correntes marinhas, verificar se vai necessários colocar areia, como já se faz regularmente na praia do Leblon, mas em condições de ressaca, maré cheia nós vamos ter uma forçamento na infra-estrutura urbana em Copacabana significativa.
Diário do Rio – E naquela região da Lagoa Rodrigo de Freitas?
Sergio Besserman – Lagoa, Praça da Bandeira, Baixada de Jacarepaguá, onde o lençol freático tende a pressionar. Copacabana não é atingida com um metro e meio, mas sempre lembrando, galerias de águas pluviais, rede de esgoto, garagens de prédios, e muitos outros, mesmo nos cenários mais otimistas sofrerão conseqüências.
Diário do Rio – Eu estive lendo o material do IPP, e vocês fazem recomendações sobre construções na cidade. Vi algo falando sobre a Baixada de Jacarepaguá, onde vocês recomendam um tipo de construção já pensando em futuras alterações naturais.
Sergio Besserman – Já construir levando-se em consideração o mapeamento sobre onde haverá maiores problemas e iniciar no caso de Jacarepaguá. Até para tranqüilizar todos os moradores de Jacarepaguá, não há necessidade a vista de obras, no horizonte de poucos anos, mas há necessidade segura de obras da rede de dragagem ou engenharia igualmente eficiente já no horizonte de 15 – 20 anos. Então é necessário planejar desde já.
Diário do Rio – O Seminário Rio Próximos 100 anos, discutiu inúmeros temas relevantes para a cidade. Alguns deles já se tornaram projeto ou objeto de novos estudos?
Sergio Besserman – Já. Nós estamos no século 21, onde o principal ativo é o conhecimento.
Há a falta de dados, para fazer um monitoramento adequado e até projetos, em diversas áreas. Então, entramos em contato com Academia, Governo Estadual, Governo Federal, empresas como a Petrobrás, tentando aumentar a produção dessas informações, construir series históricas. Há estudos a serem contratados no nível de detalhe maior, especificamente sobre a questão da elevação do nível do mar, há projeto da intensificação da arborização de maneira consistente, com urbanismo em diversos bairros, como São Cristóvão. Queremos também realizar estudos similares para Vila Isabel, outras áreas da Tijuca. Pretendemos iniciar estudos sobre impacto de arborização no microclima, de modo que a população possa também ser protegida pela elevação. Vamos lembrar que as árvores demoram um pouco para crescer. Então temos que começar desde já a pensar nesse tema. E todas as secretarias, saíram daqui com uma agenda. Então a Secretaria de Obras, a Secretaria de Saúde – tema bastante importante -, Secretaria de Educação. Podemos dizer que o Rio de Janeiro, deu esse passo extraordinário, que é seu corpo técnico levar em conta a realidade do Aquecimento Global, para praticamente qualquer projeto ou iniciativa nova que venha ser tomada.
Diário do Rio – Voltando ao tema avanço das marés. As últimas ressacas do mês passado foram bem fortes, para não dizer atípicas. Muita gente teme que o mar possa invadir os calçadões da orla. É possível dizer que futuramente estes não sofrerão também alagamentos maiores? Quais as possíveis medidas para se reduzir os efeitos nessa área, caso ocorra esse desastre natural em maiores proporções?
Sergio Besserman – Haverá um forçamento sim de toda essa infra-estrutura. As notícias ruins são duas. Uma, nós teremos eventos climáticos extremos mais freqüentes. O que significa no caso do Rio de Janeiro, mais chuvas fortes e talvez, sobre isso não há estudos, mais ressacas. Dois, com a elevação do nível do mar, esses eventos se tornam mais graves. No caso das ressacas certamente, mais graves forçando a infra-estrutura. No momento não é o caso, por uma razão de custo beneficio de nos precipitarmos com obras. Não há necessidade, a elevação do nível do mar é muito paulatina e é preferível estudar mais, conhecer mais, para sabermos exatamente qual é a natureza da engenharia adequada a cada realidade.
Mas é muito importante que a cidadania acompanhe até porque engenharia envolve dinheiro, e envolve alteração da realidade física, as vezes urbanística do local. Nós temos toda uma área costeira. E o planejamento futuro tem que incluir a preservação daquilo que é ativo econômico da cidade, como nossas praias mais famosas, daquilo que é importante para qualidade de vida da população. Nem todas as praias poderão ser salvas. Mas a engenharia adequada pode assegurar. Você pode fazer barreiras, como as do Aterro do Flamengo e garantir áreas de lazer, até aumentar as áreas de lazer existentes. Não há muito mistério também, onde já inunda vai inundar mais. Portanto os pontos críticos onde hoje já ocorre quando há um evento climático extremo, já ocorrem problemas. São aqueles pontos onde nos devemos nos debruçar. Isso também pode afetar vias de transporte importante para a cidade. Mas também outras preocupações como um dos nossos ecossistemas… O ecossistema da cidade que mais sofre é o manguezais da Zona Oeste, é preciso considerar que planejamento será feito, dado que além das pressões antrópicas – ocupação – se trata de litoral valorizado. Haverá pressão vinda do mar com a elevação do mar. Como salvar os manguezais, como agir.
De um modo geral a etapa atual é de produção de conhecimento, disseminação desse conhecimento para que o conjunto da sociedade, da cidadania, possa se posicionar. A etapa de obras é uma etapa para daqui a alguns anos.
Diário do Rio – E qual o papel da população neste contexto?
Sergio Besserman – A população é fundamental. O Rio de Janeiro é a vanguarda do Brasil. Aqui é a cidade onde provavelmente no país pela primeira vez, ainda não aconteceu, mas vai acontecer. De um discurso como o de John Kennedy, como nos anos 60, ser bem absorvido. “Não pergunte o que o país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”.
Nós cariocas somos muito críticos do ponto de vista político, participantes, sempre fomos considerados vanguarda política do país. Somos uma população altamente conectada com a questão ambiental. No caso do Aquecimento Global, somos cidadãos do Rio de Janeiro, e cidadãos do Planeta a Terra, não basta fazer o dever de casa local, é preciso interferir também com as escolhas que estarão sendo feitas no Planeta, porque elas afetam a nossa cidade. Então a participação da população brasileira, da população carioca, ela é indispensável. Tanto para monitorar, cobrar planejamento de governo, modificar planejamento. Como para engajar a cidade na discussão global dos esforços, das escolhas, das decisões políticas sobre o Aquecimento Global. Os próximos anos são muito críticos, é neles que estarão sendo decidido se a humanidade vai encarar esse desafio ou por quanto tempo demoraremos para começar a reação.