Indiscutivelmente, a expansão do modal conhecido como VLT (Veículo Leve sobre Trilho) para a Ilha do Governador, proposta divulgada recentemente pelo secretário Executivo de Governo Pedro Paulo em seu perfil na rede social Instagram, trata-se de uma decisão arrojada da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Mas é preciso assimilar esse anúncio com um pouco de cautela, analisando suas motivações, refletindo sobre sua viabilidade e projetando seus desdobramentos práticos, ainda que tudo isso seja feito preliminarmente.
A prefeitura lançou o “Em Frente Rio”, uma iniciativa que prevê traçar metas para toda a cidade após a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, dando continuidade às intervenções urbanas. Nesse sentido, o VLT da Ilha do Governador figura como um desses objetivos, baseado na ideia de que beneficiará mais de 200 mil pessoas, empregará, por ano, mais de 2.600 pessoas e promoverá a integração com a Transcarioca, no Galeão, e a Estação das Barcas, no Cocotá. Com 21 km de extensão, o VLT é propagado pelo governo municipal como a garantia de “mais mobilidade, mais conforto e mais empregos”. Seriam estas, portanto, as motivações iniciais do projeto.
O segundo aspecto a qual devemos nos debruçar e refletir com muita cautela é quanto a questão da viabilidade desse investimento. Segundo o urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, “existem três problemas fundamentais para qualquer cidade: mobilidade, coexistência e sustentabilidade”. Esta conclusão, de certa forma, também se aplica a nossa realidade mais local, embora a Ilha não seja uma cidade, mas possua muitas das características mais comuns. Para nós, atualmente, um problema consensual entre a população – ou pelo menos a maioria desta – é a mobilidade urbana. Cotidianamente experimentamos os efeitos das decisões equivocadas dos governos (nas três esferas), tais como os congestionamentos, os conflitos entre os modais, a precarização do serviço, a baixa oferta etc. Perdemos a amplitude do transporte marítimo que existiu no início do século XX, sofremos com o crescimento desordenado do transporte alternativo, piorou gradativamente a circulação em nossas artérias viárias em virtude da facilidade, nos últimos anos, da aquisição de carros, além de outras consequências. Mas será que a solução de todos os nossos problemas de locomoção está na implantação do novo VLT insulano?
Nossa região talvez disponha da maior quantidade de modalidades de transporte público da cidade. Temos a nossa disposição ônibus, barcas, vans, cabritinhos, moto-táxis e BRT. Um total de seis opções, das quais a maioria não existe em outros bairros. Contudo, esse leque diversificado não corresponde a um sistema integrado e de qualidade. Na verdade, especialistas diriam que a nossa realidade insulana sequer pode ser considerada sistêmica, tendo em vista que um sistema só existe quando tudo está integrado. Na prática, esses modais raramente se conectam, contrariando justamente o desejo das pessoas por CONECTIVIDADE. Os ônibus não se conectam com as barcas, que não se conectam com cabritinhos e/ou moto-táxis; o BRT está à quilômetros de distância da maioria dos bairros da região, o que dificulta a sua integração (sem contar as linhas alimentadores do sistema BRT que ainda não existem); os chamados “transportes alternativos”, isto é, vans e moto-táxis, também não se interligam. Nesse sentido, como imaginar a viabilidade do VLT em meio a esse cenário de desintegração?
Creio que devêssemos refletir sobre a sua viabilidade no aspecto físico e estético também. Na região central da cidade, o novo trem urbano está sendo implantado em vias normais, ou seja, na contramão da proposta de vias seletivas que caracterizam os BRTs, por exemplo. Supondo que essa lógica também seja aplicada na Ilha, o VLT ocuparia uma das pistas da Estada do Galeão e da via de acesso às Barcas. Resultado prático: obras, afunilamento, engarrafamentos e muitos transtornos. Valeria a pena?
É preciso também levar em consideração que, no caso do Centro, a prefeitura está sujeita a subsidiar financeiramente a operação do veículo caso o número mínimo de passageiros para tornar o sistema economicamente viável não seja alcançado. Para tanto, a secretaria de Transportes contratou uma consultoria para fazer os estudos de demanda e viabilidade. O resultado desse trabalho determinará a demanda mínima e o valor da tarifa. Ao todo, o VLT do Centro custará R$ 1,15 milhões, dos quais o maior montante é proveniente do setor privado e a diferença da União (o que, em período de crise, nos leva a crer que as dificuldades financeiras retardarão a sua execução).
Portanto, no que tange a nossa região, caberá ao município projetar também a demanda mínima, baseada na qual saberemos a viabilidade econômica do projeto e o custo da tarifa para a população. É inevitável o receio de, como no caso das barcas, uma possível baixa demanda acabe tornando o sistema economicamente inviável, prejudicando, consequentemente, a qualidade do serviço (oferta fracionada, manutenção precária etc.). Mediante isso, o VLT insulano precisa ser muito bem planejado. Gera estranheza essa proposta não constar no PEU (Plano de Estruturação Urbana) da Ilha do Governador (PLC 107/2015), na medida em que este projeto significa um planejamento estratégico de desenvolvimento urbano da região nos próximos anos.
As incertezas e dúvidas em torno desse anúncio são muitas. O que não se pode perder de vista é a máxima de que “Mobilidade é muito mais que tecnologia. Mobilidade é liberdade”. As pessoas precisam e querem se deslocar na cidade e nos seus bairros. E essa liberdade tão costumeiramente buscada muitas vezes é suprida com os modais já existente. O que falta é aperfeiçoá-los para que possam operar como rede, proporcionando conforto e agilidade. Caso contrário, nem perto da inalcançável solução chegaremos.