Os “comprometidos” e o julgamento do travesseiro

O vereador Rogério Amorim fala sobre os vereadores que estão comprometidos a seus chefes políticos e não com seus eleitores

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Foto Cleomir Tavares/Diário do Rio

Todos nós que trabalhamos com a Política precisamos entender a diferença entre estar compromissado e estar comprometido. Nosso esforço deve ser sempre para cumprir os compromissos, que são com os nossos eleitores, com as pessoas que precisam de melhores serviços públicos, de melhorar a qualidade de vida. Um vereador, seja ele de situação ou de oposição, precisa estar compromissado, empenhado na missão de melhorar sua cidade. Mas e quando ele está comprometido?

Quando eu digo “comprometido”, é quando em vez de ouvir a voz das ruas, de atender os cidadãos, de andar pelas calçadas anotando o que precisa ser feito, o político – seja vereador, deputado, senador – prefere frequentar os gabinetes do Executivo. É quando o “comprometido” não ouve o choro das pessoas pela cidade, não dá atenção à desordem, à saúde pública, à educação. Ele tem um “comprometimento” com o chefe dele, que pode ser um prefeito que, por sua vez, é um “soldado” de um ex-presidiário.

Os compromissados da Câmara dos Vereadores estavam comigo no Projeto de Lei 2212/2023, que proíbe contratar médico generalista ou recém-formados para vagas destinadas a médicos especialistas. Na prática, esse projeto combate o improviso, combate a balbúrdia. É o projeto que garante que o profissional de saúde que atenderá nossos filhos é realmente um pediatra – e não um residente que por acaso foi colocado pela administração para fazer essa função. E sejamos claros: não é culpa do médico, e sim de quem o escala, ou seja, dos “comprometidos”.

Eu penso nisso sempre que vejo uma criança sendo atendida de forma incompleta, e são muitos casos que recebo no gabinete. Mas me causou uma grande tristeza o caso do menino Moreno Moura Nascimento, de dois anos e oito meses, atendido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade de Deus e infelizmente morto de insuficiência respiratória. A família denunciou que a pediatra “abandonou” o plantão – mas será que foi isso mesmo? Será que havia uma pediatra? E se ela deixou o plantão porque simplesmente o horário havia se esgotado, por que não havia outro plantonista para repor e assumir a ocorrência (como fazem, aliás, em muitos hospitais privados)?

Agora não há o que fazer por Moreno. Mas podemos fazer por muitos outros Morenos, basta ter o compromisso. Infelizmente, os “comprometidos” derrubaram o meu PL, por entenderem que não é necessário que o pediatra das UPAs seja mesmo pediatra. Derrubaram meu projeto porque não ouvem o povo nas filas dos hospitais. Derrubaram meu projeto porque não veem as lágrimas da família de Moreno. Veem apenas os cargos no Executivo, o chapéu patético do prefeito e as corridas ridículas do Lula.

De quatro em quatro anos, o povo nos julga, e decide se continuaremos. Infelizmente, não há meritocracia porque vivemos numa sociedade de espetáculo – se o pequeno Moreno morreu, se sofre sua família, para esses vereadores “comprometidos” não importa: uma foto ao lado do ex-presidiário basta. O julgamento popular é diferente do julgamento da História – este pode levar alguns anos, enquanto na urna a sentença sai na hora.

Mas há um julgamento no qual, graças a Deus, jamais fui condenado: é o julgamento do travesseiro. É poder encostar a cabeça nele e não ter o grito de um povo abandonado na consciência. É poder dormir sabendo que eu fiz tudo o que estava ao meu alcance pelo povo da minha cidade e não me dobrei por bravatas de quem tem a caneta na mão.

Os vereadores que derrubaram o PL 2212 talvez não tenham mais esse veredito.

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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3 COMENTÁRIOS

  1. uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. se o residente ou médico não especialista aceita trabalhar na área que não tem aptidão, ele é responsável sim, porque pode negar-se a fazê-lo. E deve! Caso contrário, pode incorrer em imperícia, embora não seja errado atuar como generalista, pois presupõ-se que tenha o conhecimento adequado para tal.

    A questão da “falta de especialista” pode ser parcialmente atribuída à falta dos mesmos, ou sua vontade de não trabalhar na rede pública porque a privada é mais interessante econômica e socialmente.

    E tem também a cultura de “não ficar preso” no serviço público. Todos sabem que os médicos não cumprem sua carga horária contratada ou não aceitam a função sem atenderem suas exigências.

    Por exemplo: todos sabem que o médico da UBS tem um “day off” na semana, mesmo que isso não conste no contrato. Mas, ou o poder público aceita ou não tem médico. E mesmo nesses casos a carga horária e o número de atendimentos não são respeitados.

    TODOS sabem e aceitam, até porque – muitas vezes – há um médico “acima” que concorda com essa postura, pois não dará um tiro no pé quando ele voltar pra escala de trabalho.

    Publica-se as escalas de plantão, tem até na internet, e ninguém cumpre. E fica por isso mesmo.

    Pra finalizar, tem o próprio poder público, que “sabe” que não se “gasta” um especialista onde pode-se colocar um generalista. Pois estes não tem interesse em ir e a “chefia” não tem como obrigá-lo.

    E o setor particular sempre será mais atraente do que o público. Passa-se visita, prescreve-se e, qualquer coisa, chama-se o generalista de plantão pra resolver… Que lá também tem…

    E não secesqueçam que 80% das ziquiziras que uma pessoa apresenta pide ser resolvida pelo generalista.

  2. Obviamente o vereador lacrola ia lacrar.

    Sempre com esse papinho moralista hipócrita da profundidade de um pires.

    Até quando “trabalha”, tem que ser lacrador.

    ZzzZzzzzZzz

  3. Acho muito louvável a questão trazia pelo ilustre vereador e médico cirurgião.
    No entanto, tenho uma dúvida. Quanto à questão de número suficiente número de especialistas formados. Sempre li que há uma deficiência na distribuição de médicos pelo país. E em especial os especialistas a situação se agrava. Com isso, os custos para contratação são altos.
    Não seria o caso do próprio Estado fomentar o incremento do número de vagas nas universidades públicas e mesmo financiar o acesso às unidades privadas de ensino??
    Não haveria ainda a possibilidade de colocar a previsão de que médicos formados nas universidades públicas ou tiveram financiamento público na particular obrigatoriamente prestem serviço em unidades públicas de saúde por um período de modo a retornar o investimento público?

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