Algumas unidades escolares privadas da cidade do Rio de Janeiro alegam que já bateram a “cota” de estudantes com condições especiais e outras retiram descontos dos mesmos afirmando que são crianças que dão mais despesas que os outros estudantes para as escolas. Essas são as principais reclamações de pais e responsáveis por alunos do espectro autista ou PCDs (pessoas com deficiência).
O DIÁRIO DO RIO coletou algumas histórias que mostram a situação. Todas as unidades escolares citadas foram procuradas pela reportagem para prestar eventuais esclarecimentos, mas a maioria delas não respondeu os contatos realizados.
Em novembro deste ano, no Centro Educacional Jovens Talentos, que fica no bairro do Anil, em Jacarepaguá, um aluno do espectro autista teve sua matrícula recusada por alegação de que na turma objetivada já tinham dois alunos com diagnósticos de autismo e não poderiam receber mais nenhum estudante PcD. Erika Santana, a mãe da criança envolvida neste caso, registrou boletim de ocorrência por discriminação de pessoa em razão da deficiência na Delegacia da Taquara. Segundo ela, “na escola havia vaga para receber mais alunos sem deficiência“.
De acordo com outra família, que preferiu não ser identificada na reportagem, na escola Maple Bear, Barra da Tijuca, aconteceu uma situação parecida com a citada no parágrafo anterior: recusa de matrícula, pois o colégio limita o número de alunos PcDs em dois por turma e que só poderia aceitar mais um estudante autista “se essa ‘cota’ não estivesse preenchida, mas já estava“. Os responsáveis afirmam que vagas para crianças sem deficiência estão abertas na turma objetivada.
A Maple Bear declarou à reportagem que “a escola que é referência dentro da rede no atendimento de crianças com necessidades especiais, informa que se orgulha em defender a inclusão como parte do processo para uma sociedade mais justa e rica em conhecimento e que jamais, existindo vaga na turma buscada pela família, irá recusar a matrícula.”
No Colégio Aplicação, na Taquara, em setembro e outubro deste ano de 2023, durante o período de renovação de matrículas, a escola retirou o desconto de 40% que alguns estudantes com autismo que já estudam na unidade tinham. A alegação foi que “essas crianças dão mais despesa para a escola do que as demais (como, por exemplo, pela necessidade de contratar mediador escolar e adaptar materiais/atividades)”.
As mães Ana Almeida Gabrielle contam que a escola “está cobrando mais caro para que as crianças autistas possam renovar as matrículas. Também incluíram no contrato de renovação de matrícula uma cláusula dizendo que não estão incluídos neste contrato os serviços especiais de (…) mediação escolar, (…) adaptação, exames especiais (…) serão cobrados à parte‘”.
O Colégio e Curso Aplicação Taquara respondeu que “é uma instituição comprometida com a comunidade escolar, fiel às suas parcerias e compromissos. Nossa prestação de Serviços Educacionais é oferecida com equidade de forma que todos, sem distinção, recebam assistência e formação de excelência. Desta forma, também, atua o setor administrativo ao firmar os contratos, sem diferenciação, oferecendo descontos percentuais para cada família que nos procura. É de nosso total interesse fidelizar nossos clientes e acolhê-los sempre. Portanto, toda a forma de negociação possível é realizada junto às famílias para que possamos estreitar nossos laços de parceria e confiabilidade”.
No mesmo bairro da Taquara, no colégio Ícone, a reclamação de alguns pais e responsáveis, que também preferiram não ser citados na reportagem, é de que “em visita já informam de cara que não fornecem nenhum desconto para alunos autistas, porque a escola tem um gasto maior para contratar pessoas para ficar com eles (profissional de apoio/mediador escolar). Ou seja, só dão desconto para crianças sem deficiência, o que nada mais é do que uma forma de cobrar mais caro para aceitar a matrícula e fornecer as adaptações necessárias para as crianças com deficiência”.
Julia Fernanda, mãe de uma criança autista, afirmou que no Alfa Cem Bilíngue, que fica na Freguesia, em Jacarepaguá, “por ocasião da rematrícula, foi retirado o desconto que alunos já tinham no ano corrente e durante o ano foi recusado fornecimento de profissional de apoio (mediação escolar) exclusivo para alunos com diagnósticos de autismo e TDAH”.
Em novembro do ano passado, também na Freguesia, no Colégio Intellectus, um aluno autista teve a matrícula recusada quando a mãe, Marcella, informou sobre a deficiência do filho. Já estava tudo acertado para a criança estudar na escola, com desconto de 30%, mas quando o diagnóstico de autismo foi mencionado tudo mudou. “Falaram que não poderiam realizar a matrícula, pois já tinham muitos alunos autistas na escola e não teriam como receber mais nenhum. Só estavam recebendo crianças sem deficiência”. A responsável fez uma denúncia no Ministério Público do Rio de Janeiro.
De acordo com a LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015, não existe previsão legal de cota para crianças com deficiência/autismo nas escolas. Ainda segundo a legislação, se há vagas abertas para matrícula em determinada turma, qualquer aluno tem que ter o direito de ser matriculado, sob pena de caracterizar discriminação.
O artigo 8° da mesma Lei diz que “constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa caso a unidade escolar venha a recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência”.