Em 2021, o parlamento português aprovou 291 emendas ao orçamento do país. Ao comentar esse número, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República de Portugal criticou pesadamente o nível de interferência do Legislativo.
“Chegados a esta situação extrema, é tempo dos cidadãos e dos atores políticos se questionarem sobre a sanidade do processo. Não haverá uma maneira mais amiga da razão de deliberar sobre o Orçamento do Estado para o ano seguinte, e em respeito absoluto pela democracia?”, diz um trecho do documento.
No mesmo período, o Brasil aprovou 6.522 emendas ao orçamento. Um valor 22 vezes maior. Se questiona-se a sanidade do sistema português, podemos ter a certeza da insanidade do nosso.
A comparação dos sistemas de elaboração do orçamento do Brasil com o de outros países integrantes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) está num ótimo estudo do economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper – instituto superior de ensino e pesquisa, que foi publicado pelo Instituto Millenium.
A pesquisa desmonta a tese dos defensores da grande interferência legislativa no orçamento via emendas de que é assim que o processo funciona nas democracias mais desenvolvidas. Não é. O que acontece no Brasil, mostra a pesquisa, não tem paralelo no mundo desenvolvido.
Os parlamentares brasileiros alteram, via emenda, em média 24% da despesa primária discricionária (gastos que o gestor tem o poder de decidir onde serão investidos) do orçamento federal. Nos Estados Unidos, as alterações ficam na faixa de 2,4%. Em países como Alemanha, Noruega, Austrália, Canadá, Dinamarca, Suécia, Reino Unido, e tantos outros as alterações ficam em 0%. A conclusão do estudo de Marcos Mendes é cristalina ao dizer que esse sistema gera distorções e custos que deveriam ser revistos.
No lugar de distorções e custos, leia-se, o uso político eleitoral das emendas parlamentares, que funcionam como moeda de troca por favores escusos nas votações em plenário, como capital eleitoral nas bases dos políticos, sem falar na alimentação de inúmeros esquemas de corrupção. Infelizmente, essa deturpação de finalidade é o que temos assistido ao longo dos anos.
Por isso, sempre defendi em meu mandato de deputado federal a adoção de critérios técnicos e transparentes na liberação de emendas parlamentares. Pelo menos, enquanto não conseguirmos acabar com esse modelo nocivo ao país. O correto seria que os parlamentares apenas participassem da definição do orçamento por meio da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual), de forma coletiva, e fiscalizassem o seu cumprimento.
Desde o primeiro ano na Câmara dos Deputados venho realizando editais para seleção de projetos de entidades comprometidas com o desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro. Em três anos recebemos 839 propostas de entidades públicas e privadas, organizações sociais e filantrópicas, nas áreas de saúde, educação, segurança, que são prioritárias para a sociedade fluminense. Noventa e três projetos de 57 instituições em 37 municípios fluminenses já foram contemplados com recursos das minhas emendas individuais, num total de R$ 50 milhões.
Importante reforçar que as escolhas foram feitas com isonomia e lisura, levando em consideração os benefícios que os projetos vão trazer para a população. É o caso, por exemplo, do novo Laboratório de Inovação em Saúde Pública – Serviço de Triagem Neonatal, inaugurado este mês no Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro – que recebeu R$ 500 mil das minhas emendas individuais. Essa unidade tem capacidade para atender 25 mil crianças por mês para a realização do Teste do Pezinho. Além de resolver um antigo problema no estado do Rio, que não tinha condições de realizar o exame em todas as crianças que nasciam nas unidades públicas, ainda vai assistir a outros estados. O Teste do Pezinho detecta precocemente doenças que causam complicações graves, permitindo tratamentos antes que a criança apresente sequelas.
Por mais insano que seja o nosso sistema, encontramos momentos de lucidez e sensatez ao destinar recursos para projetos que fazem a diferença na vida da população. Zelar pela boa e correta destinação do dinheiro público é uma obrigação do parlamentar. E deve ser feito com transparência, pois o cidadão tem o direito de saber como seu dinheiro está sendo aplicado.
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.