Era uma tarde bonita na Recoleta. No auge dos meus 23 anos, marchei firme até o senhorzinho no balcão. “Me gustaria um libro para compreender el Peronismo” lhe disse. “Compreender el Peronismo? Ai ai ai….”. Voltou, cinco minutos depois, com uma pilha de 10 volumes. Comecei a entender nesse momento o tamanho da encrenca.
Tão forte quanto difícil de definir, o Peronismo é um campo político que vai da esquerda à direita. Floresce em áreas rurais e em ambientes com escolaridade mais baixa. É populista até a medula e personalista por natureza. Nem todos os peronismos (talvez seja melhor mesmo usar no plural), porém, são estatistas. É um bicho raro, duradouro, adaptável e muito difícil de se vencer. Para um liberal como eu, é uma espécie de Moby Dick.
Até este domingo, dia 22, Javier Milei era o grande favorito para vencer as eleições presidenciais na Argentina. Fechadas as urnas, o peronista Sérgio Massa apareceu em primeiro com 36,5% dos votos, seguido pelo então favorito Milei com 30%. Patrícia Bullrich, outra oposicionista, veio em seguida com 23% dos votos. O Partido Justicialista vinha desgastado por uma gestão tenebrosa do atual presidente Alberto Fernández e os 53% de votos em candidatos da oposição claramente sinalizam um desejo popular por mudança. Pode não ser suficiente. Massa cresceu 15 pontos entre as primárias e ontem, tem uma tendência ascendente, e uma estratégia de comunicação ajustada recentemente por marketeiros ligados ao PT.
Milei, depois de anos apostando no conflito e em uma comunicação de choque, sinalizou que cessam os ataques em busca de uma coalizão anti-peronista. O gesto de civilidade, normalmente seria uma medida positiva. No caso do candidato liberal, pode sair pela culatra. Se até então, tinha ares de outsider, agora vai ter que compor com a “casta”. Os políticos tradicionais. Se as redes sociais não se encontrarem com o mundo real, o fenômeno digital pode acabar servindo para fragmentar a oposição e garantir mais 4 anos de Peronismo. Se Milei tem capacidade política e capilaridade para tirar a diferença de quase 7 pontos em menos de um mês? Difícil prever. Afinal, compreender a Argentina? Ai ai ai….