Paulo Gontijo: O livro que quase ninguém leu

O colunista do DIÁRIO DO RIO comenta sobre o livro "LTI a Linguagem do Terceiro Reich"

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“Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e aparentam ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar.”

“É evidente que a LTI, nos momentos culminantes, é uma linguagem de fé, já que visa ao fanatismo”

 Victor Klemperer, LTI a Linguagem do Terceiro Reich

Victor Klemperer era um filólogo alemão nascido em 1881 na cidade de Landsberg. Apesar de ser filho de um rabino, Klemperer se converteu ao luteranismo, se apaixonou pelas línguas românticas e casou-se com Eva Schlemmer, uma pianista de família alemã tradicional. Como professor universitário, viveu de perto as mudanças da cultura alemã em boa parte da primeira metade do século XX. Seu livro “LTI – A Linguagem do Terceiro Reich” é um olhar aguçado sobre os aspectos semânticos dessa mudança. Expulso de sua casa, foi poupado dos campos de extermínio por ser casado com uma alemã ariana. O destino do casal Klemperer foi sobreviver, na Alemanha Nazista, em uma Judenhaus, uma casa coletiva de Judeus. Cassado de seu cargo na universidade, é obrigado a trabalhar em uma fábrica como operário de segunda classe e a portar a estrela de Davi costurada em sua roupa. Renegado pelo seu filho adotivo, que havia se juntado à Juventude Hitlerista em 1933, Klemperer mantém sua rotina de anotações sobre o mundo que se transforma diante dos seus olhos.

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Sua imensa coragem nos permite acompanhar como o projeto autoritário nazista constrói, desde sua fase democrática, uma estratégia de ressignificação das palavras. Heróis, por exemplo, deixam de ser aqueles que exercem algum ato de auto sacrifício e, gradativamente, se tornam os mais fiéis aos preceitos nazistas, os que melhor competem, os que mais matam. O uso abundante de siglas e acrônimos na linguagem oficial, por sua vez, geravam um senso de pertencimento e transmitiam a ideia de modernidade. Ao olhar do micro para o macro, do cotidiano para a tragédia global; Klemperer desvenda como o Nazismo se alicerçou em mais do que canhões e pólvora.

Ainda que marcado por retratar a maior tragédia dos últimos 100 anos, o trabalho minucioso mostrado em LTI nos traz centelhas para analisar nosso Brasil do século XXI. A mais importante, entendo eu, é a constante necessidade de olhar para a evolução do sentido das palavras e a influência dos grupos políticos sobre elas.

Em um país de acirrado tribalismo político, o pouquíssimo lido Klemperer é um antídoto à comunicação enlatada dos grupos de Zap, dos influencers políticos e das redes de desinformação, lacração e cancelamento. Ele nos mostra que palavras podem quebrar amizades, romper laços familiares e promover o ódio onde antes havia amor. É também um lembrete de que a transparência na democracia precisa ir além da contagem dos votos ou da movimentação de recursos financeiros. Quem controla o uso e o significado das palavras controla os rumos de um país.

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