Que muitas leis propostas por nossos legisladores são de péssima qualidade nós já sabemos. Mas algumas vão além. O projeto de lei 540/2015 do deputado estadual Fábio Silva (PMDB) quer proibir “a satirização, ridicularização e /ou toda e qualquer outra forma de menosprezar ou vilipendiar dogmas e crenças de toda e qualquer religião.”
A lei diz o seguinte:
Art. 1°. Fica proibido em todo território do Estado do Rio de Janeiro, durante manifestações públicas, sociais, culturais e/ou de gênero, a satirização, ridicularização e /ou toda e qualquer outra forma de menosprezar ou vilipendiar dogmas e crenças de toda e qualquer religião.
Parágrafo Único – Para efeito do disposto no caput deste artigo entendesse como ofensa à crença alheia, além das já definidas em lei, as seguintes condutas:
I – encenações perjorativas, teatrais ou não, que mencionem ou façam menção a atributo e/ou objeto ligado a qualquer religião;
II – distribuição de toda e qualquer forma impresa com imagens ou “charges” que visem ridicularizar, satirizar ou menosprezar a crença alheia;
III – vincular religião ou crença alheia a imagens e/ou toda e qualquer outra forma de cunho erótico;
IV – utilização de todo e qualquer objeto vinculado a qualquer religião ou crença de forma desrespeitosa ao dogma desta;
Primeiro ponto: Sim, “perjorativas” e “impresa” estão escritos assim mesmo na proposta de lei. E não são os únicos erros ortográficos.
Como a redação é ampla o bastante fica de fato proibido fazer qualquer tipo de alusão a uma crença religiosa que possa ser interpretada por qualquer religião como ofensiva. Piada, nem pensar. Uma crítica da abertura a uma multa, que pode chegar a 270 mil reais. Será que comer bacon pode ser interpretado como uma ofensa aos Adventistas e Judeus? Carnaval com fantasia de padre, Jesus, Buda. Esquece.
O mais impressionante não é o absurdo que vimos até agora, mas sim o segundo artigo da lei:
Art 2° – Esta Lei não proíbe ou cerceia, dentre dos limites legais, a livre manifestação de opinião ou pensamento.
Engraçado, porque me parece que é impossível que o primeiro artigo faça sentido com o segundo, uma vez que impedir que eu satirize uma crença religiosa de maneira pública é justamente cercear a minha liberdade de expressão.
A ideia que esse tipo de lei irá prevenir crimes de intolerância religiosa e promover a tolerância é para lá de idiota. A justificativa de lei classifica os ataques que ocorreram em Paris contra o jornal Charlie Hebdo como forma de PROTESTO contra a publicação por este jornal ter publicado caricaturas do profeta Maomé (“os irmãos Saïd e Chérif Kouachi , vestidos de preto e armados com fuzis AK-47, motivados como forma de protesto contra a edição Charia Hebdo”). Classificar um ataque terrorista que deixou 12 mortos como forma de protesto? Sério deputado?
A lei, como tantas outras, tem um cheiro podre de inconstitucionalidade que é característica de políticos demagogos e populistas que tem como objetivo apenas aparecer nos jornais e “fidelizar” (ou melhor, doutrinar) o seu curral eleitoral. E posso dizer isso porque a constituição garante a todos o direito de livre expressão. Assim como a lei garante a liberdade de qualquer um seguir a religião que quiser, ela garante a todos o poder se se expressar.
Se estamos vendo manifestações de intolerância religiosa isso não é fruto da livre expressão de quem é contra esta ou aquela religião, e sim da falta de educação e promoção da tolerância que impregnem em toda a população a consciência de que acima das suas próprias crenças deve estar o respeito. O deputado quer tratar um problema tentando esconder um dos seus sintomas. Isso sim é uma piada de mau gosto que deveria ser punida pela sociedade.