O novo Índice de Vulnerabilidade a Chuvas Extremas na cidade do Rio de Janeiro (IVCE-RJ ) aponta 599 mil domicílios particulares (21% do total) em alta risco a deslizamentos ou inundações. Desses, 142 mil estão em perigo muito alto. Assim como as ondas de calor, eventos de chuva extrema tendem a ser cada vez mais intensos e frequentes – uma realidade provocada pelo aquecimento global –, e fazem do Rio de Janeiro uma bomba climática. Navegue pelo site do projeto Rio 60ºC.
Para deslizamentos, são 70 mil moradias em alta vulnerabilidade, das quais 9,7 mil em muito alta. Para inundações, 530 mil em alta, sendo 132 mil em muito risco. O índice, que combina dados de risco geológico e indicadores socioeconômicos, faz parte do projeto Rio 60º – Como a cidade se prepara para os eventos climáticos extremos, desenvolvido pelo time da Ambiental Media em parceria com o grupo de pesquisa RioNowcast+Green, do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (Instituto de Computação/Universidade Federal Fluminense).
“Acompanhar os dados climáticos faz parte do trabalho da Ambiental e a escalada dos eventos extremos é algo que nos preocupa. Antes mesmo da tragédia no Rio Grande Sul, quando acessamos os dados das chuvas em São Sebastião (SP) e, alguns anos antes, em Petrópolis (RJ), passamos a refletir sobre os efeitos de uma chuva tão devastadora em uma capital brasileira”, explica Thiago Medaglia, diretor-executivo da Ambiental e um dos idealizadores do projeto Rio 60ºC, ao lado da pesquisadora Mariza Ferro, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Mapeamento das vulnerabilidades

No Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, onde 34 pessoas morreram no último grande desastre por deslizamento na cidade, em 2010, o IVCF-RJ aponta 604 domicílios particulares (35% do total) em áreas de alta vulnerabilidade para deslizamentos, dos quais 222 estão em muito alta. Já no complexo de favelas Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na Zona Sul, 3 mil moradias (62%) estão em alta vulnerabilidade a deslizamentos, das quais 899 estão em muito alta. Na Rocinha, um total de 10,5 mil domicílios (42%) estão em alta vulnerabilidade para deslizamentos – desses, são 1,4 mil em muito alta.

A vulnerabilidade a inundações também é alarmante. Em janeiro de 2024, chuvas provocaram a morte de quatro pessoas e danificaram mais de 20 mil casas na região dos bairros de Acari, Pavuna e Irajá, na Zona Norte. Nesses três bairros, o IVCF-RJ indica 31 mil residências (34%) em alta vulnerabilidade para inundação, das quais 7,6 mil em muito alta. No Jardim Maravilha, um loteamento no bairro de Guaratiba, Zona Oeste, são 7,3 mil residências (61%) em alta vulnerabilidade para inundações, dos quais 2,5 mil em muito alta. A favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, tem 5,1 mil domicílios (16%) em áreas de alta vulnerabilidade para inundações – desses, 2,2 mil em muito alta.
Metodologia e impacto do estudo
Para mapear os domicílios mais vulneráveis a chuvas extremas, o IVCE-RJ cruzou dados socioeconômicos com informações de risco geológico. As análises utilizaram as Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações, do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), e suas definições de áreas do território com suscetibilidade alta, média ou baixa a inundações ou movimentos de massa. Já as informações socioeconômicas são do Instituto Pereira Passos (Data.rio) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O índice é uma ferramenta para tornar evidente o risco crescente de desastres e fundamentar ações de adaptação e justiça climática. Além do IVCE-RJ, o projeto Rio 60ºC une jornalismo investigativo e modelagem climática para disponibilizar reportagens especiais, infográficos e mapas interativos, permitindo a análise dos pontos mais críticos da cidade. “O índice foi criado para contribuir com o debate climático, sobretudo com foco nas capitais brasileiras”, explica Thiago Medaglia, diretor-executivo da Ambiental. “Contudo, é importante considerar que, mesmo baseado em ciência de ponta e co-criado por cientistas e jornalistas, o IVCE-RJ é uma ferramenta de comunicação científica com base em dados disponíveis e não o resultado de uma pesquisa acadêmica convencional”, completa Medaglia.
Medidas de adaptação
Se não houvesse a área urbana, marcada pelo cinza dos prédios e da pavimentação, a água da chuva escorreria pelos morros e seria absorvida pelo solo, lagoas e manguezais, fluindo naturalmente para o mar por rios e canais. No entanto, o asfalto do crescimento desordenado e a urbanização sem planejamento impermeabilizam o solo, impedindo o fluxo natural das águas. As consequências são as enchentes e alagamentos de ruas e casas.
A cidade precisa de uma reestruturação urbana que integre soluções baseadas na natureza, como parques alagáveis, diques e sistemas de drenagem eficazes. Sem isso, a cada novo temporal, vidas estarão em risco. Além disso, é urgente garantir que a população possa se proteger.
Ainda no projeto Rio 60º, a Ambiental lançou 10 medidas para evitar tragédias causadas por chuvas extremas, um infográfico que reúne ações essenciais, como pontos de apoio, arborização e drenagem das águas, limpeza dos rios, estações meteorológicas e pluviômetros, entre outras.
As sirenes, uma das ferramentas indispensáveis, são um dos pontos frágeis no Rio de Janeiro. Em 2011, foram instalados 168 equipamentos por meio do programa Sirenes Cariocas. Hoje, porém, 164 estão em operação e cobrem apenas um terço das possíveis áreas de risco do município.
O cenário atual pede urgência. “A gente espera que os dados ajudem a direcionar os olhares e os investimentos para a adaptação climática das periferias dos centros urbanos e a melhorar a coleta e disponibilização de dados confiáveis para a população e para os pesquisadores”, comenta Mariza Ferro, coordenadora do RioNowcast+Green.
O projeto Rio 60º conta com o apoio do Pulitzer Center e do Instituto Serrapilheira. “A partir de um evento entre cientistas e jornalistas, comecei a trabalhar em parceria com a Mariza Ferro, do IC/UFF. Inicialmente, seria “Rio 40ºC” – uma referência musical –, mas logo vimos que a realidade era ainda mais alarmante: a sensação térmica no Rio já ultrapassava os 60ºC. A cidade está à beira do colapso climático e o IVCE-RJ evidencia isso”, conta Medaglia.