Rodrigues, Nelson, e Leticia estão num veleiro no meio do mar. O veleiro afunda e os três se refugiam no bote salva vidas, levando consigo apenas uma garrafa de água de 2 litros. Eles não têm a menor ideia se alguém irá procurar por eles. Como devem dividir a água que têm para sobreviver? Cada um recebe um terço, mantendo os três vivos por mais ou menos o mesmo período de tempo? Ou apenas Leticia recebe toda água, garantindo que pelo menos uma pessoa sobreviva?
Agora vamos mudar um pouco os termos. Rodrigues, Nelson e Leticia acabaram de fazer um trabalho, os três fizeram partes diferentes, mas com dificuldades semelhantes, todas elas importantes e o resultado final não ficaria pronto sem o empenho de todos. Como recompensa receberem 9 reais. Como devem partilhar o dinheiro?
Agora vamos sair da novela e falar do Rio de Janeiro. Todo ano a cidade do Rio de Janeiro tem um orçamento, que geralmente é aprovado no final do ano anterior. Este orçamento é detalhado por pasta de despesa e também pelas fontes de receita. Está tudo lá no portal da prefeitura, relativamente claro e compreensível e vale a pena dar uma olhada.
Para o ano de 2013 o orçamento previsto é de 23.512.596.526. Claro que o numero de fato pode variar uma vez que as receitas e despesas são projetadas. Mas têm-se uma ideia de quanto dinheiro há e como este pode ser gasto. Para os próximos anos a prefeitura projeta orçamentos de 25,3bi (2104), 26,8bi (2015) e 29bi (2016).
E ai podemos traçar uma paralelo com as histórias de Rodrigues, Nelson e Leticia. Substitua Rodrigues por Transportes, Nelson por Saúde, Leticia por Educação e adicione Habitação, Saneamento, Segurança Pública, Assistência Social e por ai vai (vide a lista abaixo que mostra parte do orçamento). Foco meu investimento numa pasta só? Todo dinheiro para educação, enquanto os alunos continuam sem conseguir chegar à escola, ou doentes por falta de saúde e saneamento? E até mesmo dentro de uma pasta especifica. Pago maiores salários aos professores, ou invisto em escolas melhores, ou ainda contrato mais professores pelo mesmo salário para ter turmas menores?
“Ah, mas vereador ganha muito, tira do bolso deles”. 51 vereadores ganham aproximadamente 16mil por mês (que sinceramente acho até justo), mais verbas disso e daquilo (que nem todas são justas) e os custos de toda a câmara dos vereadores dá 451 milhões de reais. O orçamento da pasta de educação é de 4,8 BILHÕES de reais. Notaram a diferença de grandezas? Se o custo da câmara fosse cortado em 50% não daria sequer 5% a mais na pasta de educação.
“Ah, mas tem muita corrupção”. Pode até ter, tenho certeza que tem. E pior que corrupção talvez seja a ineficiência. Mas ela não é determinada por uma pessoa, um prefeito, um botão que se vira da posição de “canalha” para a posição de ”santo”. É um guarda municipal corrupto, um fiscal corrupto, um secretário corrupto, um político eleito corrupto, um cidadão corrupto, e o dinheiro subtraído por estes, ou gasto com eles que não precisaria, só vai estar liberado para outras coisas quando houver mais fiscalização dá própria sociedade civil. Sair à rua e protestar é uma coisa, fazer parte da gestão da coisa pública é outra (e um passo que espero que a sociedade carioca faça).
O fato é que as coisas não são tão simples quanto pedir, e tudo ao mesmo tempo, porque o cobertor não é infinito. E tão pouco posso ver como justo focar todos seus recursos em uma área para chegar ao “padrão FIFA”, em detrimento de outras áreas que são também muito importantes. Uma visão critica de como as coisas interagem é imperativo na gestão pública. É preciso combater a corrupção e a ineficiência destes gastos. Em todas as áreas. Seja na pasta de educação, seja nos custos da câmara.
Existem coisas boas acontecendo como, por exemplo, o programa Lixo Zero da prefeitura, que através da punição aos porcalhões da cidade faz com que a COMLURB tenha que empregar menos recursos para catar lixo do chão, e possa melhorar seus serviços em outros lugares sem representar um aumento de custos. Existem exemplos ruins, como a terceirização dos agentes de transito da prefeitura, que tem um custo por agente de aproximadamente 7000 reais, e sequer podem aplicar multas.
Então da próxima vez que houver uma demanda de um grupo especifico da sociedade, pedindo isso e aquilo, se lembre do seguinte conselho: “Toda unanimidade é burra“ (Nelson Rodrigues).