Muito se fala sobre o projeto de revitalizar o Centro do Rio; dos novos parâmetros construtivos que vão dar impulso à construção de residências na região, e dos projetos que já saíram do papel e foram vendidos e que devem aumentar, quando prontos, o número de moradores do grande centro em quase 100%. Mas o que pouco se tem discutido nos meios de comunicação é a grande transformação pela qual tem passado a região da Praça XV, no entorno do Paço Imperial.
Aos sábados e domingos, já é quase impossível conseguir um lugar pra sentar nos principais restaurantes da região, mesmo sabendo que o restaurante mais antigo da cidade e decano daquela localização, o Rio Minho, só funciona durante a semana. No último final de semana, logo após a totalmente lotada Missa Solene com Orquestra e Grande Coral na recém restaurada e reaberta Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, era impossível conseguir uma mesa, tanto nos bares e restaurantes mais chiquezinhos – como o Sobrado da Cidade (melhor feijoada do Centro do Rio), o Capitu (o Bolinho de Costela é uma espécie de milagre de Nossa Senhora da Lapa) e o Cais do Oriente – quanto nos mais populares e não menos apetitosos, como é o caso do Porto Carioca, Sampaio’s Bar (ex-Casual), 20 20, Bar do Gengibre, Toca do Baiacu e Parada Ouvidor (por favor, provem o bolinho de aipim com carne seca de lá!).
Mais afastado, reina meio solitário o fantástico e renovado Albamar, onde acabei almoçando uma deliciosa moqueca de frutos do mar, com lagosta, camarão e polvo; o vetusto torreão que sobrou do saudoso Mercado da Praça XV tem uma coisa legal: é fácil chamar amigos que moram longe, pois tem vagas de garagem na porta, uma facilidade incomum na região do Centro. Mas antes que me acusem de elitista, num outro fim de semana em que fui à missa na igrejinha dos mercadores, depois eu caí dentro do delicioso churrasco misto preparado no bar da simpática dona Dora, que, junto com seu marido Sidney, está ampliando o antigo Casual, na esquina da Ouvidor, de frente pra Igreja, agora Sampaio’s Bar. A chapa de metal vem fervendo e borbulhando, com lingüiça toscana fatiada fininha (à moda do delicioso sanduíche do Opus, mas isso é outra história), alcatra super tenra e filé de frango, acompanhada de uma travessa de batata frita sequinha, farofa, feijão super bem temperado e arroz, além de molho à campanha. O legal é que a gente senta na rua mesmo, nas mesinhas de madeira, e ainda escuta e assiste o toque dos sinos e o passar do povo.
Passando pelo Arco do Teles – que ainda tem várias lojas vazias, mas já com 3 em obras – chega-se à Praça XV, com uma Feira de Antiguidades absolutamente lotada. Em dias de sol, mal se consegue caminhar entre as barraquinhas, que vendem um sortimento enorme de coisas. Junto ao Paço Imperial, roupas; junto ao Arco do Teles, antiguidades. Mais pra perto das barcas, tudo que você possa imaginar.
As pessoas falam em insegurança no Centro, mas além de uma viatura do Centro Presente que fica o tempo inteiro estacionada na praça, guardas municipais ficam no entorno das igrejas e dos restaurantes – no último fim de semana eram 6 caminhando pelas ruelas entre a Praça e a Candelária – e motocicletas com policiais militares também se revezavam pelos becos históricos, realmente dando uma sensação de segurança muito plena; até porque naquela região a graça é andar a pé e ser abordado por um cracudo não teria graça nenhuma.
O legal é que a gente anda pela rua e de repente vê uns guias arrastando montanhas de estrangeiros. Tem uns guias de vermelho que são especializados na região e sabem explicá-la em todos os idiomas. Já esbarrei com grupos de franceses, americanos, latinos e até gregos. E tem também um guia que anda pelas ruelas vestido como no século XIX, e faz um sucesso danado, gerando muitas fotografias interessantes. Sem contar a quantidade de gente – profissionais e amadores – que tiram fotos nas fachadas dos imóveis do Arco do Teles, com suas portas coloridas, como é o caso do prédio do nosso DIÁRIO DO RIO.
Os Centros Culturais do Banco do Brasil e dos Correios e o da Marinha, atraem também multidões. Depois, ou antes de visitar as exposições, as pessoas caminham para os restaurantes e bares, que ficam cheios entre as 12:00 e as 17:30, principalmente aos sábados. Tem um samba muito bacana bem na esquina da rua do Ouvidor com a rua do Mercado, bem organizado, e muito bem frequentado; é uma alegria só. A Travessa dos Mercadores é um funil de frequentadores das casas de cultura; não raro está entupida de gente caminhando em direção à Lapa dos Mercadores, depois de conhecer alguma exposição de arte.
Ah… e depois de passar o dia todo nos Centros Culturais e almoçar por ali, ainda comi um quibe delicioso no Al Khayam antes de voltar pra Copacabana. Glutão é um problema.
O carioca parece que resolveu, antes mesmo de vir morar no Centro, dar a ele o valor que de fato tem, como berço da civilização brasileira e símbolo-mor da carioquice. A menos que chova. Cariocas não gostam de dias nublados.
“Tem um samba muito bacana bem na esquina da rua do Ouvidor com a rua do Mercado, bem organizado, e muito bem frequentado; é uma alegria só.” O que significa este “muito bem frequentado”?
Cem anos atrás uma rodinha de samba como essa envolvia pessoas que talvez não se encaixassem no padrão “bem frequentado” mencionado acima, e a polícia vinha com toda a truculência. Era um tal de levar ‘nêgo’ a rodo pro xilindró! Curioso, né? Nada como um século após o outro.
Hoje, quando há um festa com funkão, dependendo de quem está presente, tem uma galera que logo vem dizendo que tem que proibir, pois aquilo não se encaixa no padrão “gente decente do bem”. Será que daqui há 100 anos o funkão vai atrair os almofadinhas da zona sul pra passar um aprazível sábado nas áreas turísticas da cidade, tudo regado à comidinha gourmet em restaurantes clássicos com arquitetura e decoração à europeia? Ou será que vai acontecer bem antes disso?
Antes que venham me atacar, já vou logo dizendo: não me interesso por funk e odeio música alta, qualquer que seja ela, principalmente se estiver invadindo minha residência. Tenho seríssimas restrições à execução de música alta em local público, especialmente se for em uma área residencial. Mas sou a favor de qualquer manifestação cultural, desde que não cause prejuízo ou dano OBJETIVOS a ninguém. O que me incomoda é essa separação esnobe do que é cultura válida e o que não é. Eu sei muito bem de onde isso vem, e por que vem.
Bem frequentado para mim significa que não tem criminosos. Não gosto de criminosos. O senhor gosta? Eu prefiro que eles fiquem longe.
Uhum, sei sei…
Amigo, gosto demais de seus comentarios e suas analises. Moro em Santa Catarina. Ha quinze dias fui ao Rio para o aniversario de minha netinha. Fiquei hospedado no Centro – Cinelandia. Cara o que é aquele Povo dormindo na Rua? Na área Central é so o que a gente ve. Cade o Agente PUBLIICO? Parece que fornece cobertores, pois estavam dormindo com cobertores bem novos. Ha cinco ou seis anos atras. fui ao Rio e não era nada disso na área Central. Uma vantagem: Eles não te atacam.
É realmente uma tristeza, mas tudo isso é fruto de uma política de sucateamento do país e drenagem de recursos públicos para o bolso de uns poucos pilantras, que muitas vezes nem no Brasil moram. O que me irrita é gente engomadinha atacando duramente os efeitos do problema – moradores de rua e pequenos delitos – e fazendo vistas grossas ao verdadeiro câncer do país: os pilantras sanguessugas que destroem o país com suas ‘tenebrosas transações’ e condenam milhões à miséria por gerações seguidas. Parece que ser bandido de colarinho branco não importa, desde que esteja bem vestido e se comporte bem à mesa dos restaurantezinhos gourmet tão decantados por aí. Sou a favor da preservação do patrimônio histórico e arquitetônico e de trazer de volta movimento ao Centro do Rio, mas fico muito cético em relação a QUEM está realmente se dando bem com essa onda. Gente simples CERTAMENTE não é. Como sempre, tudo é feito para beneficiar os engomadinhos e enxotar quem não se enquadra no padrão estético deles.