Riso é Reza – Entrevista com Dadá Coelho

Rebecca Rieggs entrevista a comediante piauense Dadá Coelho que conta a sua vida e como o Rio de Janeiro lhe deu sorte

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Sentada na frente do computador, parei para refletir um pouquinho sobre a minha personalidade e a estreia, justamente hoje, da minha coluna “Rio de Histórias”, aqui no DIÁRIO DO RIO. Me peguei falando sozinha, bem baixinho: “26 de fevereiro, Dia do Comediante…” foi inevitável concluir: a vida sorri pra gente quando traz novos desafios.

E passou um filme na minha cabeça. A sinopse poderia ser as dores e as delícias de 51 anos de paixonite aguda pela Cidade Maravilhosa! Como lindamente canta meu amado Roberto: “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”. Ah, e como eu vivi emoções no Rio!

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Aliás, o RIO é uma cidade que sorri! Até a Baía de Guanabara sorri… Com uma boca banguela! Gargalhei lembrando da canção do Caetano.

Por isso, meu povo amado, esse espaço será um território sagrado para resenhas quinzenais bem cariocas! Vou revelar por aqui bate papos inéditos, histórias divertidas ou emocionantes, de celebridades ou de anônimos… Sempre sobre a minha, a nossa, Cidade Maravilhosa. Claro!

Afinal, o RIO de Janeiro foi, é e sempre será um leito esplendoroso para o desaguar de grandes histórias. E, nós, os cariocas, sempre seremos um aguerrido barco, navegando com coragem e sorriso no rosto por suas águas tranquilas ou revoltas!

Sob as bençãos de São Sebastião e Oxóssi, peço licença e passagem e compartilho o primeiro (de muitos!) deliciantes bate papos.

Chega aí, puxa a cadeira e seja bem-vindo!

Ela nasceu na cidade de Floriano, também conhecida como “A Princesa do Sul”, no interior do Piauí, e se tornou uma das majestades do humor nacional!

Nasceu Darcimeire Coelho Pinto. Em uma família de 13 filhos, onde 11 sobreviveram. Cresceu “fuxiqueira”, se banhando nas águas do Rio Parnaíba, o “quintal” da sua casa. Maturou seu talento como comunicadora migrando bravamente para o Maranhão para cursar Jornalismo. Amadureceu como roteirista, atriz, comediante premiada e “cuscuz influencer” ao decidir abraçar todos os seus sonhos na Cidade Maravilhosa! Respeitável público, com vocês a comediante Dadá Coelho!

Diário do Rio: Hoje, segunda-feira (26), às 16h, volta ao ar na TV Brasil o programa Sem Censura, que nasceu há mais de 40 anos para celebrar o fim da ditadura e conversar sobre o cotidiano democrático. Você vai estar ao lado da Cissa Guimarães na apresentação do programa, que sempre teve um DNA bem carioca, como a própria Cissa. E nos dias 2 e 3 de março, seu stand up “Cuscuz na Mão – Do cangaço nordestino ao humor de cangas e quengas cariocas” (em turnê pelo Brasil) estará no palco do Teatro dos Grandes Atores, na Barra da Tijuca. Esse espetáculo e você podem ser descritos como um cuscuz nordestino com pitadas de carioquice?

Dáda Coelho: O meu humor é nordestino, claro. É a minha aldeia, né?! Mas como dizia Liev Tolstói (célebre escritor russo): “Fale da sua aldeia e você estará falando para o mundo”. É um humor que cabe no Rio de Janeiro. Eu sempre destaco que “meu humor é sexualmente transmissível”. Eu falo muito de sexo. Nasci em uma família de 13 filhos! Essas pessoas todas só existem por alguém comeu alguém. Então, o sexo sempre esteve presente na minha família! Minha mãe contava que ela esperava juntar cinco filhos nascidos para ir registrar, porque o cartório dava um abatimento. Acho que o brasileiro, em geral, se identifica muito com o humor que eu produzo. Porque mistura família e sexo. O Brasil tem uma relação muito forte com o tema Família. Não é à toa que o humorístico “A Grande Família” ficou 15 anos no ar e é o programa de humor de maior audiência até hoje. E todo brasileiro gosta de uma safadeza, não tem jeito! Se você colocar três brasileiros para conversar, em algum momento, vai sair uma safadeza! O carioca tem no seu DNA corpos livres, pouca roupa, sensualidade… Por isso também é um humor feito para essa cidade, onde o chopp é uma religião e o biquini e a canga na praia são uma instituição. Fui muito bem recebida no Rio. Eu amo o Rio de Janeiro! Me tornei a união da piauiense com a carioca, ou seja, a “piroca”. Na minha opinião, a melhor descrição para a cidade foi a de Mario Quintana. Quando perguntaram o que ele mais gostava no Rio, Quintana respondeu: “Gosto dos túneis”. E indagaram o motivo. Ele disse: “Para poder descansar da paisagem”. O Rio é a cidade mais linda do mundo!

Diário do Rio: Nós, os brasileiros, gostamos de exaltar o nosso bom humor inato, nosso sorriso no rosto mesmo diante das situações mais difíceis. Mas traduzir nossa alegria intrínseca para a arte de fazer gargalhar não é uma tarefa fácil. O saudoso Jô Soares, reconhecidamente seu admirador, chamava atenção para o fato de “todo humorista ser ator, mas nem todo ator ser humorista“. Você concorda com essa observação do Jô?

Dáda Coelho: O Jô sempre fazia essa observação… Ah, o Jô! Minha primeira entrevista no Programa do Jô foi um divisor de tudo. Ele representa muito para minha vida e para a minha carreira… Sou extremamente grata ao Jô! Sim, eu concordo com ele. Há quem diga que é mais difícil fazer rir do que fazer chorar. Eu acredito. Porque o drama é mais compassivo. A comédia é realmente mais cruel. Você tem que atingir no alvo! Senão não tem riso, né?!

Diário do Rio: Em janeiro de 2014, pesquisadores da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, publicaram um estudo feito com 523 comediantes do Reino Unido, Estados Unidos e Austrália. O estudo revelou que a maioria dos comediantes tinham personalidade “contraditória”. Um lado da personalidade era bastante introspectivo e até depressivo e outro era extrovertido e cheio de manias. O segundo lado seria uma forma para lidar com o primeiro. Você acredita que é preciso chorar para conseguir fazer sorrir? Ou seja, para fazer uma boa comédia, além de um texto inteligente, claro, é preciso que o indivíduo seja sensível e empático com os outros indivíduos e com as situações que os rodeiam?

Dáda Coelho: O humor é uma forma de realizar um encontro muito especial com o outro. É também uma ferramenta de inteligência, no sentido de você conseguir organizar seu caos interno. Ao fazer rir, o humorista se organiza internamente. Porque o comediante, de forma geral, é desorganizado afetivamente… E o humor é uma forma de trazer beleza para o próprio caos. Todo mundo tem um pouco de melancolia. No caso do comediante, quando ele faz graça é como se ingerisse um antídoto transitório para a própria melancolia. Tanto que a gente fica “viciado” nessa adrenalina que é entrar em cena e fazer rir. Viciados nessa alegria, sabe?! Lembrei agora de um texto do Groucho Marx (comediante norte-americano) sobre a alma dos comediantes. É a história do homem que, desesperadamente doente, vai ao psicanalista e diz que perdeu seu desejo de viver e que está seriamente considerando o suicídio. O doutor escuta o discurso de melancolia e então diz ao paciente que ele precisa é de uma boa gargalhada. Aconselha ao pobre homem ir ao circo aquele dia e passar a noite rindo de Grock, o palhaço mais engraçado do mundo! O doutor completa: “Depois de ter visto Grock, tenho certeza de que você ficará muito mais feliz”. O paciente se levanta, olha tristemente para o psicanalista, se vira e caminha até a porta. Quando ele está se retirando, o doutor pergunta: “O senhor não me disse o seu nome?” O homem se vira para o psicanalista, com os olhos tristes, e responde: ”Eu sou Grock.” Gosto de vestir a alegria, sabe? É a roupa que me cai bem. Óbvio que não é possivel construir nada durante o luto. Fico dois, três dias triste… Espero o tempo passar um pouco e acabo fazendo piada com aquela situação dolorosa. Não fico cutucando ferida. Não nasci para isso. Faço terapia, né amor?! Fora da terapia não tem salvação. Mas, claro, que não sou só gargalhadas. Eu também preciso do silêncio.

Diário do Rio: Infelizmente, ainda há quem associe fazer comédia com falta de maturidade. Sabemos que históricamente o humor foi e sempre será uma poderosa ferramenta (através de textos, charges, arte visual, etc) capaz de fazer uma sociedade refletir sobre suas condições e mazelas. O riso pode ser um imenso alarme?

Dáda Coelho: O humor é um remédio imbatível em situações extremas: ajuda a sobreviver! E acho que nós temos que nos mover. Mesmo sem ter o poder de mudar, o humor tem o dever de denunciar tudo. Tenho o humor como Waze, bússola, remo, vela, e o próprio barco “Navegar é preciso. Criar é preciso”, como diz Fernando Pessoa.

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Diário do Rio: O que significa para você ter como principais ingredientes do seu trabalho a comédia e o riso?

Dáda Coelho: Cara, a comédia é a minha religião. Eu não sei viver sem trabalhar com comédia. Eu posso viver sem comer alguns dias, eu posso sofrer de amor… Mas sem o riso não dá para viver! Acabou se tornando uma relação de irmãos siameses o humor com a minha vida, sabe? Eu me divirto muito fazendo humor! Eu não sofro para ir para o teatro fazer um espetáculo nos finais de semana ou para escrever. É um prazer indescritível! Eu fico muito feliz e considero um grande privilégio ter encontrado a minha vocação e poder exercer ela plenamente. E como é difícil isso, né?! Às vezes a gente dá umas titubeadas, lá atrás, no passado… Digo que o dia em que eu não tiver mais preocupação com pagar boleto no dia 5, faria humor até de graça. A louca!

Diário do Rio: Felizmente, vivemos tempos em que a sociedade começa a ter um olhar mais atento e igualitário para grupos minoritários ou segregados historicamente. É preciso estar sempre atento para exercitar um humor que não fere?

Dáda Coelho: Estamos fazendo uma faxina no mundo. Não tem graça fazer graça com as minorias ou grupos segregados e discriminados historicamente. A gente precisa rever esse tipo de “humor”. Não dá mais para rir do gordo, da mulher, do gay, do preto, do nordestino, do pobre… Não cabe mais! Isso é muito antiquado. Se você não tem um olhar acolhedor para o outro, você está sem matéria-prima. Porque, na realidade, o outro é a nossa matéria-prima. Além de nós mesmos, claro. Tudo bem que o humor é um lugar de liberdade. Mas é preciso bom senso. Bom senso é igual desodorante: a pessoa que mais precisava usar não usa. O limite do humor é o bom senso. Essa fala é de fato engraçada ou você só está ferindo alguém? Se está ferindo não tem a menor graça! E você sabia que ainda tem muito preconceito com a mulherada que faz comédia? Mas não adianta mais revirar os olhinhos para a gente! Revirem os olhos para sentir prazer. Porque a comédia vai ter cada vez mais mulheres!

Diário do Rio: Tem alguma história que ilustre seu amor nordestino pelo Rio de Janeiro?

Dáda Coelho: São muitas. A criação do nosso bloco de carnaval “Me beija que eu sou cineasta”, por exemplo. O bloco surgiu numa conversa de botequim entre dois queridos pernambucanos, o cantor Otto e o diretor Lírio Ferreira. Impossibilitados de passar o carnaval em Recife, eles tiveram a ideia de fazer um bloco para eles no Rio de Janeiro! O bloco de nordestinos acabou virando um clássico na Quarta-feira de Cinzas carioca. No início, eu era a presidente da ala “Eu dou para ser atriz”. Depois fui promovida para a ala “Filme queimado”. Até que virei Musa do Bloco. Para participar do bloco, a gente criou pulseiras de identificação com cores diferentes: vermelho podia beijar só mulher. Azul podia beijar homem e mulher… A preta podia beijar até árvore! Então, em 2014, o programa “Amor & Sexo”, interessado pelas nossas criações no bloco, me convidou para uma pequena participação, onde eu responderia algumas perguntas sobre beijo, sexo, romance e amor. O Leandro Hassum estava convocado para compor a bancada principal do programa. Mas o pai dele infartou e ele foi obrigado a desmarcar na última hora. Conclusão: eu migrei para a bancada do programa! O Rio de Janeiro me dá sorte, meu amor. Me deu sorte na vida.

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Jornalista há 30 anos e carioquíssima. É amante do Carnaval e de boas histórias. Contadas no pé sujo, no ponto de ônibus, num jogo de cartas com idosos em alguma praça arborizada do Rio...Criadora de filho, conteúdo, arte, afeto e ponte!
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