Roberto Anderson: A cidade pouco amigável

Em 1997, no governo de Cristovam Buarque, foi instituído em Brasília o sistema de faixas de pedestres sem sinais de trânsito. A partir de então, bastaria ao pedestre iniciar a travessia na faixa, que os automóveis parariam imediatamente

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Foto: Roberto Anderson

Em 1997, no governo de Cristovam Buarque, foi instituído em Brasília o sistema de faixas de pedestres sem sinais de trânsito. A partir de então, bastaria ao pedestre iniciar a travessia na faixa, que os automóveis parariam imediatamente. Desde então, e até 2021, segundo o Detran local, a morte de pedestres por atropelamento caiu 81,5%, indo de 266 casos para 49. Desses, apenas quatro perderam a vida atravessando a faixa de pedestres. Apesar de ser um evidente caso de sucesso, recentemente surgiram notícias sobre o crescente desrespeito de motoristas a essa norma.

Antenas Mockus foi prefeito de Bogotá em duas ocasiões, de 1995 a 1997 e de 2001 a 2004. Pouco convencional, Mockus realizou campanhas de educação no trânsito que envolviam mímicos, os quais faziam brincadeiras com os que violavam as regras de trânsito, como avançar o sinal ou atravessar fora das faixas de pedestres. Tal programa foi iniciado com 20 artistas e rapidamente evoluiu para a contratação de outros 400, devido ao grande sucesso obtido. 

Após o primeiro mandato de Mockus, Bogotá elegeu Enrique Peñalosa, para o período de 1998 a 2001. Ele realizou uma série de mudanças na capital colombiana visando priorizar os pedestres. Foram construídos 450 km de ciclovias e o sistema de BRT TransMilênio, um dos maiores do mundo. É sempre bom lembrar que a origem dos BRTs são os ligeirinhos de Jaime Lerner, em Curitiba.

Em 2009, o prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, fechou grande parte de Times Square ao trânsito de veículos. Essa proposta foi depois consolidada com intervenções permanentes, que geraram novas áreas para os pedestres, e vitalizaram o comércio local de forma inequívoca. Esse tipo de intervenção se espalhou pela cidade, com a criação de ciclovias e mais áreas de lazer público conquistadas ao espaço anteriormente destinado aos automóveis. Da mesma forma, a prefeitura de Paris vem ampliando as áreas destinadas aos pedestres em locais icônicos, como as praças da Bastilha, Italie e Nation.

Não faltam bons exemplos, e diversas cidades do mundo vêm realizando transformações visando dar mais espaço aos pedestres, em detrimento do espaço conquistado em muitas décadas pelos automóveis. Elas vêm também apaziguando o trânsito de veículos, inclusive com a redução das velocidades de circulação dentro do espaço urbano. Com velocidades mais baixas, os atropelamentos, quando acontecem, são menos fatais.

No Rio de Janeiro, no entanto, nunca tivemos um prefeito que adotasse uma estratégia radical de aumento de espaço para os pedestres e ciclistas, apesar de algumas melhorias pontuais. Nem um que promovesse ações de educação no trânsito. Assim, a impressão que se tem é de aumento da má educação no trânsito e de redução da segurança de pedestres e ciclistas.

Aqui os carros param em fila dupla ou estacionam em calçadas à vontade. Ônibus param no meio das vias para pegar os passageiros, desprezando baias e recuos que eventualmente existam. Motoristas, em geral, não sinalizam ao fazer conversões nas esquinas, trazendo riscos a quem as atravessa. As ciclovias são invadidas por motociclistas, burrinhos-sem-rabo e carrocinhas. E as ciclorotas são meros desenhos no asfalto, onde caminhões de carga estacionam.

O carioca até pode brincar de ser passageiro numa cidade do primeiro mundo ao entrar no VLT. É confortável, climatizado, silencioso, raramente está cheio, e as estações são anunciadas em português e em inglês. O problema é que o VLT só liga o Centro a um único bairro, a Área Portuária. A realidade dos cariocas é de ônibus lotados, calorentos, barulhentos e extremamente sacolejantes. Sacolejam porque não são construídos para dar conforto aos passageiros e porque as ruas são muito esburacadas. Quanto aos trens, continuam pouco confiáveis nos horários.

O Rio sempre foi meio anárquico, um pouco como Nápoles, onde a máfia faz e acontece. Nossas máfias são ligadas ao jogo do bicho, ao tráfico e às milícias. Mas será que essa zona precisaria se estender às ruas e calçadas? O fato é que, além da péssima conservação de ruas e calçadas, não há muita fiscalização ou ações de educação no trânsito. Quem fiscaliza? Guardas municipais ou policiais militares? Não se sabe e tampouco eles estão muito presentes nas ruas cumprindo essa tarefa.

O urbanismo contemporâneo é fruto das contestações ao urbanismo dito funcionalista, feitas por valorosos combatentes da qualidade de vida urbana, Jane Jacobs à frente. Não mais se admite a separação de funções, com áreas da cidade reservadas exclusivamente para a moradia ou o trabalho. Não mais se admite desconsiderar o Patrimônio. Não mais se admite desconsiderar as questões ambientais. Mas, acima de tudo, se quer uma cidade favorável ao pedestre, em que o automóvel não tenha mais a primazia, e a convivência nos espaços públicos seja garantida e estimulada. Para isso não basta que os urbanistas exponham suas ideias. É preciso que a classe política local as ouça e lidere as transformações em direção a uma cidade mais amigável.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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