Roberto Anderson: A Conferência das Cidades do Rio

Aconteceu, no último fim de semana, a etapa da Cidade do Rio de Janeiro da Conferência das Cidades de 2024. Ela se deu na Área Portuária, mais precisamente na edificação que recebeu a nova graduação do IMPA

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Aconteceu, no último fim de semana, a etapa da Cidade do Rio de Janeiro da Conferência das Cidades de 2024. Ela se deu na Área Portuária, mais precisamente na edificação que recebeu a nova graduação do IMPA. A etapa carioca é parte de um processo de conferências temáticas em escalas ascendentes, ou seja, do município à federação, adotado desde o primeiro governo Lula. Elas visam colher contribuições, com a participação popular, para os planos nacionais das diversas áreas, como cultura, saúde e meio ambiente. A Conferência das Cidades deve gerar contribuições para o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU.

A Prefeitura do Rio foi responsável pela organização da Conferência e os seus técnicos envolvidos foram incansáveis neste trabalho. No entanto, apesar do interesse que esse tipo de discussão costuma gerar no meio acadêmico, houve uma participação relativamente pouco expressiva das universidades públicas. Entre as universidades privadas, somente a PUC-Rio teve uma delegação de peso. Já entre os movimentos sociais, houve uma grande participação dos movimentos pela moradia, mas menor presença de representantes de outras áreas do movimento popular, como o de favelas e de associações de moradores, por exemplo. Também foi gritante a quase ausência de mandatários do poder municipal, de vereadores e de políticos em geral.

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As discussões se deram por temas, como habitação, gestão democrática das cidades, mobilidade, saneamento, sustentabilidade, clima, segurança e gestão metropolitana. Para cada um desses temas foram convidados especialistas que levantaram questões pertinentes aos mesmos. Depois os participantes formularam propostas, que foram levadas à plenária final.

Já no início da Conferência, a plenária tomou a delicada decisão de não eleger os membros não governamentais do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), conforme previa o novo Plano Diretor. Esse é um órgão criado pela Lei nº 3.957/2005, com função consultiva, em que, além da Prefeitura, participam entidades profissionais afins ao planejamento urbano, entidades empresariais e entidades comunitárias. Não é perfeito como instrumento de participação no planejamento da cidade, e muitas vezes foi ignorado, mas é um órgão conhecido e consagrado, com 20 anos de existência. As entidades profissionais e as associações de moradores sempre puderam questionar legislações e intervenções urbanas da Prefeitura que não passassem pelo Compur. Sem ele, a participação da sociedade se enfraquece nas discussões sobre a cidade.

Em substituição ao Compur, a maioria dos delegados da Conferência optou pela indicação à Prefeitura de seu desejo por um Conselho da Cidade, nos moldes do que existe no governo federal, ainda inexistente no Município. Não tendo ocorrido a indicação de componentes da sociedade civil para o Compur, cuja existência é prevista em lei, talvez tenha se criado um problema que a Prefeitura precisará decidir como sanar. O pior seria ficar sem nenhum órgão de participação nas políticas públicas municipais para a cidade.

A etapa carioca da Conferência das Cidades mostrou ser um momento interessante para o encontro de lideranças populares e de parte dos diversos atores que pensam e atuam sobre políticas urbanas. Mas, seja pela forma como foi organizado, seja pela dificuldade de se obter objetividade nas discussões, a Conferência resultou em boas propostas, mas sem possibilidade de maior aprofundamento e discussão das mesmas. A plenária final da Conferência, seguindo essa limitação, optou por apenas referendar aquilo que veio dos grupos temáticos.

A seguir, algumas das propostas aprovadas.

Saneamento que considere critérios técnicos, os riscos da mudança climática e a sustentabilidade ambiental. Drenagem que utilize soluções baseadas na natureza, aplicando-se o conceito de cidade esponja, e a renaturalização e a despoluição de rios urbanos, mantendo suas margens livres e vegetadas.

Tarifa zero ou a redução significativa dos valores do transporte público, com a utilização de recursos dos fundos de mobilidade, além do estudo de outras fontes para o financiamento do Fundo Mobilidade Urbana Sustentável. Priorização do transporte sobre trilhos e novas ligações aquaviárias. E a garantia de que haja transporte público em diversas horas do dia, incluindo o período noturno, com intervalos regulares e razoáveis entre as composições, com abrigos cobertos nas paradas, que tragam informações via GPS da aproximação dos ônibus e de seus destinos.

Retomada de uma política de habitação social, com a elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, a ampliação dos recursos do Fundo Municipal Habitação de Interesse Social, e a garantia de, no mínimo, 1% dos recursos orçamentários do Município para essa política. Destinação prioritária de imóveis públicos para a provisão de moradias de interesse social. Construção de habitações sociais na cidade em locais providos de infraestrutura e serviços urbanos. Promoção de políticas de adensamento de áreas centrais e próximas aos centros urbanos, com desestímulo ao crescimento urbano espraiado, que ocupa áreas verdes e agricultáveis.

Criação de um Programa de Locação Social e de um Programa de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, regulamentado por lei municipal. Inclusão do Condomínios MCMV Faixa 1 no orçamento da Prefeitura, com a criação de uma Superintendência dos Condomínios MCMV. Regulamentação do “Programa de Autogestão” previsto no Plano Diretor.

Retorno do licenciamento ambiental para o âmbito da Secretaria de Meio Ambiente. Implantação do Plano de Arborização Urbana (PDAU) com a adoção de programas de arborização urbana intensivos, especialmente nas zonas Norte e Oeste, com a definição de metas e de recursos para sua implantação.

Gestão das calçadas das vias públicas pelo setor público, com o uso de recursos públicos, inclusive do IPVA, na sua manutenção, garantindo a acessibilidade universal. Concepção de planos de pedestrianização das cidades, com a busca ativa de áreas onde o espaço destinado aos pedestres seja ampliado com redução dos espaços dos automóveis.

Criação de um órgão municipal que seja encarregado da inovação e da inclusão digital, e que fomente laboratórios e geração local de dados. E ampliação da rede de Ginásios Experimentais Tecnológicos.

Enfim, são muitas as propostas, e sua adoção certamente impactaria positivamente tanto o Estado, como o Município. Mas, o prefeito e o governador escutarão?

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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