Roberto Anderson: A cultura indígena da Aldeia Maracanã

'O edifício que abrigou o antigo Museu do Índio, no Maracanã, não tem uma data de construção claramente definida, podendo ser do final do século XIX ou início do século XX'

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Foto: Roberto Anderson

O governador Cláudio Castro foi reeleito. Como se trata da continuação do mesmo governo, seria hora de começar a cumprir algumas promessas de campanha, entre elas a conclusão da estação Gávea do metrô. Ela se encontra propositalmente inundada para tentar impedir o seu colapso. É absurdo que permaneça assim por mais tempo, com risco de deterioração do que já foi executado, deixando milhares de potenciais usuários, entre eles os alunos e professores da PUC-Rio, sem uma boa opção de transporte. 

Mas há também compromissos assumidos por governos anteriores que permanecem inatendidos. Entre eles, a restauração do antigo Museu do Índio no Maracanã e sua transformação em espaço cultural dedicado à cultura indígena do nosso país. Esse compromisso, assumido junto ao Ministério Público pelo ex-governador Sérgio Cabral, continua valendo e se transformou numa dívida do Estado do Rio de Janeiro que necessita ser saldada. Compromisso é compromisso e, lá atrás, a Secretaria de Estado de Cultura foi indicada como órgão executor dessa ação.

À época do governo Cabral, a então Secretária de Estado de Cultura chegou a ir ao Parque do Xingu e trouxe de lá lideranças indígenas muitíssimo respeitadas para discutirem o projeto num encontro no antigo Hotel Novo Mundo. Isso em nada resultou e os recursos usados nesse esforço midiático talvez pudessem ter sido melhor empregados na execução do projeto de restauração do imóvel, um item fundamental, sem o qual nenhuma obra pública se realiza.

O edifício que abrigou o antigo Museu do Índio, no Maracanã, não tem uma data de construção claramente definida, podendo ser do final do século XIX ou início do século XX. Erguido em terras doadas pelo Duque de Saxe, marido de D. Leopoldina, filha de D. Pedro II, sua destinação inicial foi um órgão ligado a pesquisas agrícolas. Ali o Marechal Rondon recebeu indígenas que, então, vinham de áreas quase inacessíveis do nosso país. Ali, também, Darcy Ribeiro trabalhou pela causa indígena e, a partir de 1953, criou o Museu do Índio, transferido em 1977 para Botafogo. Esse museu influenciou a criação de diversos outros museus etnográficos pelo mundo e foi premiado pela Unesco.

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O imóvel, uma edificação eclética com características de prédio do serviço público do início do século XX, tem paredes sólidas e espaços generosos. Uma torre, revestida de pedras, é uma marca importante de sua feição. A cobertura se encontra danificada por falta de cuidados, assim como forros, escadas e esquadrias. Mas tudo isto é plenamente recuperável. No alto, junto à platibanda, a escultura enegrecida de uma águia assiste a decadência do imóvel.

Em 2006 o edifício e seu terreno foram ocupados por indígenas de diversas etnias, que construíram pequenas casas conformando a Aldeia Maracanã. Eles pretendiam criar ali um centro de difusão da cultura indígena. No governo Sérgio Cabral, o Estado do Rio de Janeiro comprou o imóvel com a intenção de demoli-lo, usando a desculpa de dar condições de evasão e circulação ao público do Estádio do Maracanã. No entanto, estudos comprovaram que essa alegação era falsa.

Em 2013, o governador expulsou os indígenas e apoiadores com a intervenção da polícia de choque e o uso de muita violência. Mas, logo depois, diante da repercussão negativa daquela situação, ele desistiu da demolição do imóvel. Fez, então, um acordo com os indígenas que lá residiam, que consistia na sua saída e na posterior restauração do imóvel para a consecução do sonhado centro de referência da cultura indígena. O imóvel foi também tombado pelo Estado do Rio de Janeiro e pela Prefeitura, o que, legalmente, exige a sua recuperação.

Como as obras não ocorressem, parte dos indígenas decidiu retornar, acampando no entorno do imóvel em condições ainda mais precárias. Esse grupo que ainda lá se encontra, tem um projeto de transformar o imóvel numa “universidade Indígena”. Já o grupo que saiu, e foi alojado no Minha Casa Minha Vida da rua Frei Caneca, permanece com a proposta anterior. O fato é que há dois grupos, que têm alguma discordância sobre métodos de ação e propostas para o imóvel, mas que necessitam ser igualmente ouvidos. O governo do Estado do Rio de Janeiro precisa sair da inércia atual e tomar iniciativas, antes que o imóvel se arruine de forma irremediável. E o Ministério Público precisa cobrar a execução do acordo.

Para se entender a validade do projeto proposto pelos indígenas, é interessante ver a resposta do antropólogo Mércio Gomes, que já dirigiu a Funai, a uma pergunta de jornalistas presentes a uma coletiva de imprensa no antigo Museu do Índio, à época das ameaças de expulsão. Ele comentou a reserva que ele e outros antropólogos tinham em compreender a existência de indígenas vivendo em cidades, já que a antropologia tradicional os vê em sua comunidade original, no meio rural ou florestado, e acredita que ali ele deva permanecer. No entanto, afirmou o antropólogo, os indígenas, ao invés de terem desaparecido como grupos étnicos autônomos, passaram a crescer em termos populacionais, reforçando os laços culturais que os unem. E eles vêm, individualmente ou em grupos, buscando obter maior conhecimento e melhores condições materiais de vida, aproximando-se das cidades. Há indígenas em universidades e em cursos técnicos, ou apenas trabalhando em profissões diversas nas cidades. Isto sem perder sua identidade indígena e o contato com seu grupo de origem.

A constituição de um grupamento de indígenas de várias partes do país no antigo Museu do Índio passou a se denominar Aldeia Maracanã. Após tantos embates e tanto tempo de luta, é plenamente justificável que aquele local venha a se transformar num ponto de referência da cultura indígena. Ele permitiria uma troca cultural maravilhosa, que muito enriqueceria cariocas, fluminenses e turistas. Já passou da hora do Governo do Estado do Rio de Janeiro cumprir essa promessa.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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8 COMENTÁRIOS

  1. Nossos povos originários merecem mais respeito do que tem sido tratados pela sociedade brasileira.
    O projeto de uma Universidade Indígena no imóvel em questão ajudaria a reparar um pouco nossa dívida para com eles e sua recuperação seria um bom primeiro passo!

  2. Tenho a honra de ser amigo do Roberto Anderson e de ter sido seu companheiro de militância por 10 anos (interrompido, presencialmente!, por eu ter me mudado do Rio). Qdo eclodiu a questão da Aldeia Maracanã, Roberto foi um dos primeiros cidadãos a lhe dar voz e apoio. Roberto é arquiteto, urbanista, especializado em patrimônio cultural e histórico, ambientalista, portanto sabe muito bem o q está falando. Pessoalmente defendo q o Museu do Índio, inadequadamente instalado em Botafogo, seja transferido para a Aldeia Maracanã, no qual aproveitará o afluxo de turistas no Maracanã e no Museu da Quinta da Boa Vista.

  3. Impressionante como entra governo e sai governo e nada se faz em prol de uma de nossas bases culturais! Nós brasileiros somos a nação que somos porque, dentre outras, as culturas indígenas nos legaram costumes, tradições, saberes, termos em nossa língua, e um sem número de conhecimentos. O espaço existente onde hoje se encontra a Aldeia Maracanã é, na verdade, um ponto de afirmação e resistência de nossa cultura de de nossos irmãos indígenas. Precisamos sim de um olhar muito atento para o nosso patrimônio e valorizá-lo ao máximo!

  4. Toda terra é indígena. Rio de Janeiro tem uma dívida com seus povos originários e são poucos os espaços para representação e fortalecimento. A aldeia Marakanã é um exemplo de resistência e resiliência, e representa uma oportunidade de apoiar uma das principais aldeias urbanas do país.

  5. É impressionante como as questões cruciais do país, e a dos povos originários é uma das mais importantes delas, são sempre vistas por alguns brasileiros como sendo algo da esquerda. Não é. O lugar é simbólico para os indígenas e a eles cabem decidir o seu destino e função, universidade ou centro de referência cultural, amparados por lei, já que o prédio está tombado pelo poder público e um acordo foi assinado. É preciso cumpri-lo. Aos que pouco se importam com os indígenas, um lembrete: muitos mas muitos de nós têm em suas veias correndo o sangue indígena. Respeito aos nossos ancestrais devemos!

  6. Aquela ruínas para o bem da coletividade, deve ser demolida; pôr dinheiro naquelas ruínas é um atentado ao bom-senso e atender meia dúzia de cabeças vazias e eternos estudantes da UERJ, aqueles, que se fingem de estudantes, ou seja, são ativistas político remunerados de partidos políticos de ideologia marxista. Por mais belo que aquelas inúteis ruínas fiquem, ninguém de juízo perfeito irá ter audácia de frequentar um trecho Onde Todos os dias, o ano inteiro há ocorrência de todo tipo de violência.

  7. Sinceramente, do jeito que está aquilo, vai dignificar o Índio? Tendo um Maracanã subutilizado ao lado e com uma passarela que liga a “aldeia” a cracolandia do Maracanã/Mangueira que cresce a cada dia e se torna uma ameaça a todos? Com os bilhões enterrados no estádio nas reformas não destinaram R$ 1,00 sequer para o imóvel, é só esperar cair. Ah, sim, talvez com o futuro Ministério dos povos Originários tenhamos esperança.

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