Roberto Anderson: A Rua da Vala

A Rua Uruguaiana é parte do tecido mais antigo da cidade, tendo sido durante muito tempo o seu limite. Isto se deu durante os longos anos em que a cidade foi apenas um pequeno povoado entre quatro morros, adormecido no lento ritmo colonial

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A Rua Uruguaiana é parte do tecido mais antigo da cidade, tendo sido durante muito tempo o seu limite. Isto se deu durante os longos anos em que a cidade foi apenas um pequeno povoado entre quatro morros, adormecido no lento ritmo colonial. No início do século XVIII, para ali foi projetada a muralha que deveria defender a cidade após as invasões corsárias, e marcaria a fronteira entre a cidade e o campo. Como muitos dos nossos projetos, a muralha não foi adiante. Ali também existiu a vala que escoava as águas da lagoa existente onde hoje se encontra o Largo da Carioca, na difícil tarefa de drenar as áreas pantanosas da cidade. Por isso mesmo, foi chamada de Rua da Vala.

Sua posição de área quase externa à cidade era explicitada, também, pela existência da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, dois protetores dos escravizados e negros libertos da cidade, que não conseguiram erguer sua igreja na área mais urbana. O Mestre Valentim e o músico Padre José Maurício estiveram ligados àquela igreja. Este último foi o celebrante da missa de ação de graças na Igreja do Rosário pela chegada de D. João VI e sua corte ao Rio de Janeiro. A ela compareceu o próprio príncipe regente, após cortejo vindo da atual Praça XV. Ali também, entre 1812 e 1825, funcionou a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Em sua dinâmica de crescimento, desde o início do século XIX a cidade já havia ultrapassado as cercanias da antiga Rua da Vala, ocupando terras para além do Campo de Santana. A chegada da corte portuguesa fez surgir nas proximidades dessa nova área instituições importantes, como o Teatro São João, atual João Caetano, a Escola Politécnica, atual Ifics, e várias residências de nobres.

No início do século XX, os ventos de renovação urbana que alteravam a cidade, também chegaram à Rua Uruguaiana, levando ao seu alargamento. Dois lados distintos então se formaram. Um, mais baixo, com lotes mais estreitos e sobrados remanescentes do período anterior (o lado mais próximo à direção do mar). Outro, de lotes mais largos, com edificações de mais andares e mais imponentes, resultante da demolição e reconstrução de um dos lados.

A reedificação, iniciada em meados desse século, que passou por cima de quaisquer resquícios de história, trouxe para ali prédios Art Déco, outros de influência modernista, e outros, ainda, pós-modernistas. Estes últimos, em geral são os menos adaptados à linguagem arquitetônica ali dominante, como atestam painéis de vidros esverdeados, que lançam seus reflexos narcísicos sobre os edifícios vizinhos.

Após a construção do metrô, na década de 1970, a rua foi reconfigurada com um calçadão central e duas ruas de serviço laterais. Não demorou para que o descontrole do comércio ambulante, inflado pelo desemprego provocado pela crise econômica da década seguinte, levasse à completa ocupação das calçadas por barracas, que praticamente impediam o trânsito de pedestres. Tal situação perdurou até a década de 1990, quando o comércio ambulante da Rua Uruguaiana foi transferido para quatro terrenos remanescentes da obra do metrô, que se transformaram no Mercado da Rua Uruguaiana.

O mercado foi pensado para atender pequenos comerciantes, com módulos correspondentes às dimensões de suas antigas barracas de rua. Com o tempo, e a falta de controle público, ocorreu uma concentração dos espaços nas mãos de menos comerciantes, e uma certa especialização em produtos eletrônicos, às vezes de origem duvidosa. Também o calçadão central da Uruguaiana, deixado livre por um certo tempo, voltou a ser parcialmente ocupado por novos vendedores ambulantes, aqueles que não cabem no mercado agora mais elitizado e menos democrático.   

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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