Roberto Anderson: Abraçar as praças da cidade

No último domingo, 21 de agosto, os moradores do Leblon e redondezas organizaram um abraço ao Jardim de Alah. Eles quiseram demonstrar sua preocupação com a anunciada licitação daquela área para a iniciativa privada, que a Prefeitura do Rio de Janeiro pretende realizar

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No último domingo, 21 de agosto, os moradores do Leblon e redondezas organizaram um abraço ao Jardim de Alah. Eles quiseram demonstrar sua preocupação com a anunciada licitação daquela área para a iniciativa privada, que a Prefeitura do Rio de Janeiro pretende realizar. O lema da manifestação foi “jardim restaurado e não descaracterizado”. A preocupação dos moradores procede, já que se anuncia a construção de garagem subterrânea, restaurantes, bares e área para espetáculos. Tudo isso num parque tombado pela própria Prefeitura. 

O Jardim de Alah é um dos espaços mais bonitos da cidade. Cortado pelo canal do Leblon, conta com esculturas, caramanchões, áreas ajardinadas, tudo isso com uma estética art-déco, projeto do paisagista David Xavier Azambuja. Apesar de ser constituída por diversas praças – Almirante Saldanha da Gama, Grécia e Poeta Gibran – o parque é mesmo conhecido pelo homônimo do filme estrelado por Marlene Dietrich, de 1938. No entanto, atualmente o Jardim de Alah se encontra bastante deteriorado.

O seu trecho mais próximo à Lagoa Rodrigo de Freitas havia sido cedido à empresa construtora da Linha 3 do metrô, para servir como canteiro de obras. Ao final, ele foi deixado arrasado, até com as marcas das latrinas dos banheiros no piso. Além disso, uma ponte foi construída sobre o parque para ligar duas ruas adjacentes, fracionando-o ainda mais. A Praça Grécia, um dos segmentos mais bonitos do parque, foi ocupada por proprietários de cães, que acreditam que a praça seja um imenso parcão. Agora, após assistir a toda essa destruição, praticamente autorizada, a Prefeitura saca da manga a carta manjada da privatização. Os moradores dizem não ser contrários a parcerias com a iniciativa privada, desde que o parque não seja descaracterizado. 

O prefeito Eduardo Paes foi eleito com os votos de eleitores de vários espectros políticos para fazer frente ao descalabro que havia sido a administração do Bispo Crivella. Mas vem tomando atitudes que lembram aquele prefeito. O envio à Câmara de Vereadores de mais um projeto de lei para legalizar “puxadinhos” mediante pagamento é uma delas. O desmonte da excelente equipe que se formou na Fundação Parques e Jardins, após a sua última posse em 2021, é outra dessas deploráveis atitudes. Saiu uma equipe de ambientalistas, incluindo arquitetos e engenheiros florestais, para entrar outra equipe comandada por um diretor da época de quem? Do bispo Crivella. 

A Fundação Parques e Jardins é uma das mais antigas instituições da cidade, herdeira da Inspetoria de Mattas, Jardins, Arborização, Caça e Pesca. Sua sede se encontra no Campo de Santana desde 1909. Já em 1893, o paisagista Auguste Glaziou, responsável pela criação de parques emblemáticos, como o Campo de Santana, a Quinta da Boa Vista, e pela reestruturação do Passeio Público, havia sido nomeado pelo Prefeito Coronel Henrique Valadares para a Direção dos Jardins Públicos, Arborização e Florestas do Distrito Federal.

Mas as antigas responsabilidades abrangentes da Fundação foram sendo apequenadas, já que não mais cuida das florestas, e a poda de árvores das ruas e o cuidado com as praças passaram a ser de responsabilidade da Comlurb. Na última administração municipal, ela foi loteada por três vereadores, que fatiaram as indicações de seus cargos. A ideia era paralisar a Fundação Parques e Jardins, tanto que ela chegou a ser removida para a Secretaria do Envelhecimento. Quando se imaginava que, na atual administração, ela renasceria, foi novamente utilizada como moeda de troca no jogo político.  

Áreas públicas ajardinadas e parques de uma cidade não são um luxo dispensável. Mas no Rio de Janeiro até parece que são. Não é de hoje que a Prefeitura descuida desse aspecto da administração municipal. As praças mais tradicionais raramente têm flores, os arbustos são malcuidados e a grama é falha. Quando chega a época de chuvas mais escassas dá pena ver a secura dos jardins. Além disso, o furto de partes dos monumentos das praças é generalizado.

Se não consegue cuidar das praças tradicionais, a Prefeitura não está se preparando para lidar com uma dinâmica mais contemporânea dos espaços públicos, que devem se adequar às questões ambientais e à sustentabilidade. Essa era uma das principais linhas de trabalho da equipe que se foi da Fundação Parques e Jardins. No entanto, venceu a lógica de licitar dezenas de pracinhas tradicionais, que atendem a objetivos políticos mais imediatos. Em algum momento a cidade terá que se adequar a aspirações mais ambiciosas, inclusive na gestão dos espaços públicos. Enquanto isso, vai-se promovendo abraços às praças.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

1 COMENTÁRIO

  1. Sobre a poda de árvores das ruas e o cuidado com as praças que passaram a ser de responsabilidade da Comlurb.

    É urgente o Diário do Rio fazer uma matéria sobre o mau cuidado das árvores das praças e ruas da cidade.

    As árvores passam por processo de poda drástica que mais se assemelha a um assassinato por esquartejamento vivas para morrerem aos poucos.

    E mesmo Parque do Flamengo não escapa.
    Numa das várias passagens que fiz, além da ocupação irregular seja por pessoas em situação de rua que ali defecar e urinam, cujo ácido úrico causa danos, também frequentadores do parque utilizam das copas das árvores e gramado danificando-os, especialmente nos fins de semana, quando ocupam essas áreas aos bandos vindos de outras regiões da cidade e sem controle de acesso.

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