O Censo de 2022 revelou que 21,73% da população carioca é moradora de favelas (1.349.942 em 6.211.223 habitantes). É um número impactante. Se boa parte das favelas cariocas já recebe abastecimento de água e, apesar de deficiente, tem coleta de lixo, diversos outros problemas permanecem e se agravam. Não há coleta de esgoto, não há segurança sobre a propriedade, não há segurança pessoal e a topografia e a disposição das casas facilita a ação do crime organizado. Além disso, são poucos os serviços públicos disponíveis, a acessibilidade é difícil, há doenças, como a tuberculose, advindas de más condições de moradia e os riscos ambientais são bem maiores do que nas áreas de moradia formal da cidade.
Esse quadro, apesar de histórico, não deveria ser socialmente admissível. Além da gigantesca desigualdade social que revela, é reflexo de uma continuada inação do poder público. No entanto, seguimos a vida como se o problema não existisse. Passado o tempo das remoções forçadas, abandonado o exemplar programa Favela-Bairro, esquecemos desses 21,73% de cariocas.
Na eleição que recentemente terminou, o tema urbanização de favelas, ou melhoria de suas condições, esteve ausente, assim como esteve ausente nas administrações passadas do prefeito. Ele, aliás, foi o responsável por terminar com o programa de urbanização de favelas já no seu primeiro mandato. A sua atual candidatura vitoriosa teve o apoio de parte da esquerda e, mesmo assim, o tema favela não veio à tona.
Na verdade, a impressão que se tem é que o eleitor votou mais pelo conjunto de ações já realizadas na cidade como um todo do que por um conjunto de propostas futuras, as quais foram pouco divulgadas e debatidas. Talvez, para compensar esta lacuna, o prefeito reeleito se apressou em dizer que as tem. Eis que a primeira proposta de impacto para o próximo quadriênio não é voltada para esse quase um quarto de cariocas desfavorecidos, moradores de favelas. Pelo histórico de ações do prefeito, não era de se esperar que o fosse.
Com rufar de tambores, a Prefeitura anunciou a demolição do Elevado 31 de Março, no Catumbi. Sua demolição livraria a cidade desta abominável homenagem ao golpe militar, e transformaria aquele eixo numa via normal, com calçadas, edifícios residenciais e comércio. A proposição desse projeto, de difícil execução, pode vir na direção da reparação de um erro histórico, que foi a demolição do casario local para a construção do elevado, e o consequente esgarçamento do tecido urbano do bairro.
Mas talvez o projeto chegue tarde, já que a construção do Sambódromo congelou a partição do Catumbi em duas partes. Além disso, a demolição da antiga fábrica da Brahma, cuja detonação foi acionada pelo próprio Prefeito, levou embora um Patrimônio importante para o bairro. Na falta desse marco, o projeto propõe uma homenagem às duas torres do Congresso Nacional. Faz lembrar o chamamento ao urbanista de Brasília para realizar o projeto para a Barra da Tijuca, no final da década de 1960. Não foi uma escolha feliz.
A adesão a esse novo projeto para o Catumbi tem um formato curioso, que vem desde as gestões do prefeito César Maia. Alguns arquitetos com acesso ao prefeito da ocasião levam a ele suas propostas e, se ele se encanta, aquilo se transforma em política pública. Concursos de ideias e de projetos, abertos a todos os profissionais da área, nunca são lembrados como uma forma mais democrática e salutar de escolha de onde se investir os recursos públicos.
Os moradores das favelas cariocas seguem fornecendo a base da mão de obra que faz a cidade funcionar. Seguem também influenciando de forma indelével a cultura carioca, e do país, com sua vibrante energia e juventude. Mas também seguem vivendo em condições precárias, submetidas à opressão do tráfico, da milícia e da polícia. Sua força eleitoral segue dispersa, incapaz de exigir as melhorias urbanas a que têm direito. E os prefeitos ingratos, cegos a essa realidade, se sucedem no poder.