Roberto Anderson: Asfaltar o Morro da Providência

A última intervenção desastrada e autoritária ali realizada foi uma tentativa de demolição de casas, algumas por estarem em áreas de risco, e outras por estarem no caminho da construção do teleférico

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O Morro da Providência é uma área de ocupação já muito antiga. Lá está a favela do mesmo nome, cujo início se deu em 1897, sendo considerada a primeira do Brasil. Há casas menos acabadas, mas também há diversos sobrados do início do século passado. O tempo consolidou-o como um espaço de moradia de trabalhadores e de produção de cultura popular.

A última intervenção desastrada e autoritária ali realizada foi uma tentativa de demolição de casas, algumas por estarem em áreas de risco, e outras por estarem no caminho da construção do teleférico. Os moradores de 832 casas, o que representava 1/3 da comunidade, se depararam com números pintados nas suas fachadas, de forma totalmente desrespeitosa, indicando que estavam condenadas. Mas, graças à sua mobilização, o número de remoções acabou sendo menor. Em 2014, veio o teleférico. Dois anos após a sua inauguração, veio a paralisação do serviço, e também a promessa de que voltaria a funcionar. Ainda não voltou.

Como área antiga da cidade, as vias pavimentadas do morro o são em paralelepípedo, algo que também ocorre em ladeiras de Santa Teresa, por exemplo. Esse tipo de pavimentação tem várias qualidades. É permeável e retarda a descida das águas pluviais, o que é uma grande vantagem em uma situação de crise climática. Esteticamente, é bastante superior ao asfalto e admite um matinho crescendo em suas frestas. Mas precisa de manutenção. Com o excesso de chuvas e veículos pesados passando quando o solo está encharcado, podem ocorrer deformações. Nada que uma boa manutenção não resolva.

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Apesar de todas as suas qualidades, a Subprefeitura do Centro decidiu cobrir com asfalto as vias em paralelepípedos. De acordo com o entusiasmo do responsável pelo órgão, imagina-se que ele seria capaz de asfaltar até as vielas de Ouro Preto! O asfalto reflete mais calor, acelera a descida das águas pluviais, não é permeável, e é feio. Mas, obviamente agrada a uma parcela dos moradores que têm carro, que creem que circularão sobre um tapete. Um tapete que tende a se desgastar e se amoldar às deformações que continuarão a ocorrer na pavimentação em paralelepípedo logo abaixo.

Essa é a mesma prefeitura que faz parte do C40, uma rede global de cidades que se propõem a enfrentar as consequências da crise climática. Parece estranho, não? No entanto, ao se verificar que, na atual administração, o prefeito separou o licenciamento ambiental da gestão do meio ambiente, entregando-o a alguém mais conectado com o mercado imobiliário, percebe-se que esta forte incongruência é proposital.

Os problemas advindos dessa desconexão entre a gestão ambiental e o licenciamento são tão gritantes, que a Vereadora Luciana Boiteux protocolou um pedido de CPI sobre o licenciamento urbano e ambiental. A sua instalação aguarda parecer de Carlo Caiado, presidente da Câmara de Vereadores do Rio. Enquanto coisas agressivas ao meio ambiente são licenciadas ou executadas à revelia da Secretaria de Meio Ambiente, a administração da cidade se mostra ao exterior como uma joia de consciência ambiental. Não é desejável, não queremos que seja como diziam nossas avós, por fora bela viola, por dentro pão bolorento.

Já há muito tempo que a questão ambiental deixou de ser encarada como uma área setorial, relegada à uma secretaria do meio ambiente. De forma a enfrentar os tremendos desafios da crise climática e a complexidade dos desafios ambientais, a busca pela sustentabilidade ambiental deve ser vista como algo transversal a toda a administração pública. Decisões econômicas, projetos de engenharia, projetos urbanísticos e de mobilidade, projetos habitacionais, drenagem, tudo isso deve ser perpassado por uma visão sistêmica, que tenha um norte, a sustentabilidade ambiental. Do jeito que está no Rio de Janeiro, não só estamos atrasados, como estamos regredindo.

Em outubro haverá eleições para o próximo mandatário da Prefeitura. O atual prefeito deseja, e deverá contar com o apoio do PT e dos demais partidos da Federação Brasil da Esperança. Seria um momento interessante para que este partido, que já se encontra incorporado à administração atual, aproveitasse para rediscutir os princípios em que tal apoio se dará. Especialmente, nas áreas do urbanismo, meio ambiente e urbanização de favelas, onde há dinâmicas que precisariam ser rediscutidas e ajustamentos importantes a serem feitos.

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lapa dos mercadores 2024 Roberto Anderson: Asfaltar o Morro da Providência
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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1 COMENTÁRIO

  1. Discurso sobre meio ambiente, preservação ambienta, etc, em favelas “non ecxiste”.
    Deixem de hipócrita!
    Me mostrem uma favela onde a tal “área verde” foi preservada?

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