Roberto Anderson: Aterro não, Parque do Flamengo

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Foto: Roberto Anderson

Nesse momento de liberação gradual das atividades na cidade, em que não temos certeza do nível de risco de contágio pelo coronavírus, o Parque do Flamengo é uma das melhores opções de lazer seguro dos cariocas, especialmente nos domingos e feriados quando suas pistas são fechadas ao trânsito e transformadas em imensa área de lazer.

A Cidade do Rio de Janeiro deve grande parte de seu solo à incorporação de áreas de aterro conquistadas ao mar, a lagoas e a pântanos, assim como ao arrasamento de morros. Também o Parque do Flamengo seguiu esta tradição, uma vez que sua área é fruto de aterro do mar, com material proveniente do desmonte do Morro de Santo Antônio, no Centro. Oficialmente chamado Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, ele marca a paisagem da cidade com sua amplidão e generosidade de espaços livres, tão característicos do modernismo. Sua realização foi resultado do esforço de um grupo de trabalho interdisciplinar, comandado por Carlota (Lota) Macedo Soares, que retomou e revolucionou a tradição de realização de parques públicos na cidade representada pelo Passeio Público de Mestre Valentin e, depois, de Glaziou, e Quinta da Boa Vista e Campo de Santana deste último.

A área de aterro, iniciada em 1955 e com cerca de 1.200 mil m2, destinava-se a receber um total de 16 faixas de rolamento dentro de um projeto rodoviarista. O Governo Carlos Lacerda (1960-64) decidiu continuar apenas as pistas já em execução, que cortavam a área ao meio, obrigando o lançamento de passagens para pedestres. E criou o referido grupo de trabalho. Segundo Lota Macedo, pretendia-se “fazer o mínimo de arquitetura para não tirar a vista do mar”. Lota afirma, ainda, que foi necessário manter uma “luta contra pedidos esdrúxulos” que perturbavam ou desvirtuavam a unidade do projeto.

Tendo havido a decisão por um parque urbano, o paisagismo foi entregue a Roberto Burle Marx. Na descrição do botânico Luiz Emígdio, participante do grupo de trabalho, a proposta paisagística adotada procurou utilizar espécies arbóreas brasileiras e tropicais de outros continentes, sendo que algumas espécies brasileiras nunca antes haviam sido utilizadas em parques. Algumas, também, eram resultado de incursões botânicas deste último e de Burle Marx, como a árvore “jacaré” encontrada pelos dois em Cabo Frio.

Houve uma preocupação em criar agrupamentos de árvores da mesma espécie, de forma que o conjunto contasse com florescências em épocas diversas, criando colorações para o parque que variassem durante o ano. Foram utilizados grupos de sapucaias, flamboyants, abricós, quaresmeiras, etc. Também as palmeiras tiveram papel de destaque no projeto paisagístico do parque, ora contrastando com a topografia dos jardins, ora surgindo em grupos de touceiras. Foram utilizadas espécies nacionais como o açaí, a bacaba, a pupunha, a palmeira flabelada, o babaçu, o buriti, coqueirinhos, a baba-de-boi, a jarina e exóticas, como a palmeira corypha, com suas folhas em leque, que florescem e frutificam apenas uma vez na vida e cujos exemplares perto do MAM já entraram em floração algumas vezes.

O terreno do parque foi tratado de forma a ter ondulações e elevações artificiais. Foram executadas praças de estacionamento, passarelas, passagens subterrâneas, sanitários públicos e diversas quadras esportivas. Deixou-se, no entanto, de realizar o grande pergolado previsto para as proximidades da Marina e que deveria abrigar um orquidário e exposições de aves, peixes e plantas. Também o trenzinho para 100 pessoas, previsto no projeto, e que chegou a circular, há muitos anos encontra-se desativado, assim como o tanque de modelismo naval.  

O arquiteto Affonso Eduardo Reidy, então diretor do Departamento de Urbanismo da Prefeitura, projetou nos anos de 1962/63 os principais equipamentos do parque. São de sua autoria os dois pavilhões de recreação (um deles foi ocupado pelo Museu Carmem Miranda), o coreto em forma de pirâmide invertida, a pista de dança, as pistas de aeromodelismo em forma de círculos tangenciais, e as passarelas. A que a existe em frente ao MAM é notável por sua beleza e arrojo plástico, descrevendo um arco em projeção horizontal, sustentada por uma estrutura em concreto protendido com vão livre de 50 metros. Também o seu projeto para o MAM veio contribuir para dar maior beleza e relevo ao panorama arquitetônico do Parque do Flamengo.

Foram executados, ainda o Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, projeto de Hélio Ribas Marinho e Marcos Konder, o Teatro de Fantoches de Carlos W. de Carvalho, o restaurante Rio’s de Marcos Konder e o Monumento a Estácio de Sá de Lúcio Costa.   

Com mais de meio século de vida, e tombado pelo IPHAN, o Parque do Flamengo é fruto de um momento luminoso da arquitetura e do paisagismo brasileiros, além de representar um final feliz para uma intervenção tão drástica no solo de nossa cidade maravilhosa. Desfrutemos, e nada de chamar o parque de aterro!

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. Estive a passeio no Rio e me chamou a atenção uma árvore com frutas grandes maiores que um coco de casca escura, bem em frente ao MAM. Ninguém soube me dizer que fruta era aquela.

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