No Rio, existe uma avenida chamada Brasil. Seus números são gigantes. A maior avenida da cidade, a segunda maior do Brasil, a mais larga, a que tem o maior fluxo viário, e a mais engarrafada em horários de pico. Tem nome de avenida, mas é cada vez mais uma via expressa, onde os veículos trafegam a 90 km/h. É agressiva em relação aos pedestres, que são obrigados a subir escadas de muitíssimos degraus para atravessá-la por passarelas. A numeração das passarelas já chega a nomear localidades.
Ela é uma lembrança do Rio que não deu certo. Aberta para receber indústrias, viu quase todas falirem e fecharem. Conectaria a área central às suas regiões mais rurais. Mas terminou servindo como destino dos expulsos das áreas mais nobres. Conjuntos habitacionais foram sendo erguidos às suas margens, assim como favelas brotaram dos manguezais ou ocuparam encostas nas suas bordas. A avenida contribuiu também para o crescimento espraiado do tecido urbano, outro dos nossos problemas.
À noite, especialmente se for uma noite de domingo, é um dos locais mais desoladores desta cidade. Suas estreitas calçadas permanecem sujas e vazias, o perigo é quase palpável. Um ou outro transeunte perdido se apressa em direção à sua casa em alguma rua transversal. Talvez os únicos que ali permanecem sejam os usuários de crack das imediações do viaduto da Ilha do Governador.
As ruas que nela chegam não têm placas luminosas com seus nomes e as numerações das casas, luxo reservado às áreas da cidade que podem oferecer retorno às empresas de publicidade que exploram este serviço.
A arborização é quase inexistente na Avenida Brasil. O ex-prefeito Conde ainda tentou plantar umas palmeiras no diminuto canteiro central que lá existia. Elas até iam bem, mas foram suprimidas pela obra do BRT. À exceção do palacete Manguinhos, a arquitetura ao longo da avenida é pavorosa. Outra joia arquitetônica que lá existia, a sede da Gastal, concessionária da Willys, projetada pelo arquiteto Paulo Antunes Ribeiro, foi demolida pelo então prefeito Cesar Maia. Foi abaixo para dar lugar à alça de subida da Linha Vermelha. Certamente, haveria outra solução.
Ao longo da avenida, além dos conjuntos habitacionais, há também inúmeras construções que foram invadidas e ocupadas por famílias sem teto. Eram prédios inacabados, e as vedações malfeitas e com poucas aberturas denotam a improvisação. São como fortalezas que se fecham à falta de hospitalidade da avenida.
A evidente decadência da Avenida Brasil vem provocando propostas urbanísticas diversas, em geral, baseadas no aumento do aproveitamento do potencial dos terrenos. Em 2011, o então Secretário de Urbanismo Sérgio Dias propôs a liberação de usos na avenida, bem como a flexibilização de parâmetros urbanísticos, como gabarito, taxa de ocupação e permeabilidade dos terrenos. Importante ressaltar que a liberação da obrigação de deixar áreas permeáveis, numa região notoriamente sujeita a inundações, seria desastrosa.
Agora, quando o novo Plano Diretor tem sua discussão arrastada, já estando com sua aprovação atrasada, a Prefeitura faz uma nova proposta. Seria a liberação total do gabarito e da extensão das edificações a serem construídas numa faixa de 500 metros das laterais da avenida, no trecho entre o Centro e a Zona Norte. A Prefeitura chamou essa proposta de Zona Franca Urbanística, uma invenção que remete às zonas de tributação especial, como a de Manaus.
Em algum momento, a avenida Brasil ganhará um BRT, cujas obras vêm se arrastando por três administrações municipais. É possível que os planos para incentivar a habitação e outras atividades caminhem. Mas, é difícil imaginar moradias à beira de uma via expressa sem boas calçadas, sem arborização e sem conforto e segurança para os pedestres. Habitar é mais do que ter um endereço. É preciso haver um lugar, e esse lugar só será convidativo e interessante se for tratado com a perspectiva do pedestre, atendendo especialmente as necessidades dos idosos e das crianças. Será preciso refazer o caminho de volta de via expressa a avenida.