Faz frio no Rio de Janeiro. Por si só esta afirmativa já deveria chamar a atenção. Alguns diriam que gela no Rio de Janeiro. Ou que estamos a ponto de ver a neve. O frio entre nós, de tão esporádico, é comentado, noticiado, temido e, claro, festejado.
O carioca com frio é uma figura. Gorros são orgulhosamente envergados, e casacos vão sobre casacos para vencer aquela falta do guarda-roupa adequado. Não raro, uma bermuda completa o figurino. Exagero? Nada, o carioca usa seu cachecol com gosto. Ele sabe que o frio daqui a pouco vai embora, e que é preciso curtir e lançar mão de todo o repertório disponível.
Há cariocas que se orgulham de morar onde as temperaturas mínimas ocorrem. Alto da Boa Vista é quase uma Suíça. Gávea e Horto não ficam muito atrás. Durante o verão, são os bairros mais amenos. Mas quando esfria, é lá que os termômetros são consultados para ver se chegamos perto do tão sonhado zero grau. Como inconveniente, as roupas nos armários mofam, e as alergias explodem.
Frio no Rio é sempre resultado de uma frente fria, que agita o mar e provoca ressacas. O mar avança até o asfalto, joga areia para todo lado, como a querer lembrar que um dia avançará de verdade, engolindo a cidade litorânea. Antes que a ressaca chegue, as praias ficam quase desertas. Tanta beleza sem ter quem a desfrute. Aqui e ali alguns corajosos, gringos ou paulistas.
Frio no Rio maltrata aqueles que não têm casa, que moram nas ruas. Para eles já é tão difícil carregar suas poucas tralhas, aquelas que, vez por outra, os serviços de limpeza levam embora. Acabam não guardando roupas de frio, um peso a mais que talvez não acreditem vir a precisar um dia. Socorrem-nos os que se dedicam a cuidar dos outros. Uma refeição quente, um cobertor, um casaco doado por cariocas de bom coração.
Quais serão hoje os prazeres da classe média no inverno do Rio? Antes havia o fondue da Casa da Suíça e o suflê de chocolate da Polonesa, em Copacabana. Usava-se calça de veludo cotelê e gola rolé. É sempre um risco usar roupas assim, porque sem mais nem menos o frio, esse inconstante, amaina e lá vem um suorzinho indecente, denunciando a inadequação do figurino.
Frio no Rio dura pouco, é preciso aproveitar ao máximo, se deixar fotografar, ou fazer aquela selfie em roupas quentes, porque, se não, ninguém acredita. Não é todo ano que ele vem. Com frequência, faz forfait. Aproveitá-lo ao máximo, comentar e curti-lo, para quem tem sua casa e, pelo menos, uma simples jaqueta, é também o máximo da carioquice. O frio no Rio nos faz esquecer das agruras do calor escaldante, e até desejar que o verão dos outros 360 dias do ano venha logo.