Roberto Anderson: Cores e Ladeiras

Colunista do Diário do Rio relata experiência durante visita à cidade de Valparaíso, no Chile, que guarda semelhanças com a Cidade Maravilhosa

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Sobe-se muitas ladeiras. Ao dizer muitas, entenda-se muitas mesmo, mais do que as pobres canelas da maioria possam suportar. As ruas serpenteiam morro acima em curvas fechadas que exigem perícia dos motoristas. Micro-ônibus são o meio de transporte principal. Uma mistura de casas, casarões e palacetes, em platôs de diversas alturas, e em variadas posições, criam o efeito presépio. Lá embaixo se avista as águas da baía, de onde sopra um refrescante ar marinho.

Poderia ser a descrição de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Mas, é Valparaiso, no Chile. Graciosa cidade à beira-mar, com uma exígua área plana e uma enorme quantidade de morros e morrotes, os cerros, que se sobrepõem uns aos outros, se interligam por ladeiras que sobem e descem, e onde uma população criativa e acolhedora se instalou.

Alguns desses cerros, especialmente o Alegre e o Concepción, foram marcados pela ocupação de imigrantes alemães. Ali, eles construíram casas inspiradas em suas origens e igrejas com torres em agulha. Muitas dessas casas são revestidas por chapas metálicas onduladas, vindas da Inglaterra desde o final do século XIX. Tais chapas, que recebiam cores vibrantes, hoje se mostram um suporte ideal para a obra de artistas do grafite, que passaram a ocupar todas as superfícies disponíveis, gerando uma verdadeira galeria a céu aberto.

A cidade é um enorme ponto de atração turística. O visitante sempre encontra uma escada colorida, uma fachada inusitada, um grafite, ou arte urbana, dependendo de como se queira nomear, tudo contra um céu, em geral muito azul, e com o mar ao fundo. Uma grande quantidade de bons restaurantes, cafés e galerias de arte são os pontos de apoio dos visitantes. Sem uma sensação de insegurança a atormentá-los, o que, infelizmente, se vivencia no Rio.

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Curiosamente, as partes altas da cidade parecem bem mais cuidadas do que as partes planas, junto ao porto, onde há uma certa confusão de vendedores ambulantes, lixo nas ruas e prédios descuidados ou fechados. Aí é onde se encontra a administração pública, o comércio e os escritórios. É também onde se localiza o mercado, uma interessante construção em enxaimel metálico.

Como o porto ocupa quase toda a frente marítima da cidade, esta não usufrui muito do contato mais próximo com o mar. O mar então se apresenta como a paisagem vista do alto e nos pratos de peixes e mariscos frescos servidos nos restaurantes. Próxima ao porto está a avenida Brasil, com seu canteiro central emoldurado por uma aleia de palmeiras-do-chile. É uma beleza de projeto paisagístico, ofuscado pelo descuido com a pavimentação e a liberalidade com o estacionamento sobre as calçadas.

Valparaiso, Valpito para os íntimos, é lugar para esquecer a pressa, deixar-se levar pela curiosidade em descobrir uma nova rua, uma nova escada, uma graça agregada a algum balcão, ou um desenho emoldurando alguma porta. Se se dispuser a ter calma, lá o passeante se sentirá livre como as gaivotas que voam por cima dos telhados da cidade.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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