Roberto Anderson: Cresce a favelização

O censo mostra a impactante contagem de 16,4 milhões de brasileiros vivendo em favelas, o que corresponde a 8,1% da população. Entre 2010 e 2022, houve um crescimento de 103% no número de municípios onde ocorrem favelas

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Em seu livro Planeta Favela, Mike Davis afirma que a maior parte da contínua urbanização do nosso mundo se dá na forma de áreas precarizadas quanto à existência de infraestrutura e de titulação, as favelas. A falta de recursos e de políticas públicas de habitação leva os novos moradores das cidades, não só em países em desenvolvimento, a se localizarem nesses espaços. Por isso, não causa espanto, mas deveria, os dados revelados pelo censo das favelas brasileiras recentemente divulgado pelo IBGE.

O censo mostra a impactante contagem de 16,4 milhões de brasileiros vivendo em favelas, o que corresponde a 8,1% da população. Entre 2010 e 2022, houve um crescimento de 103% no número de municípios onde ocorrem favelas. O número de favelas no país teve um crescimento de 95%, alcançando a cifra de 12.348 áreas assim caracterizadas. A maior concentração delas está na região Sudeste (48,7%), seguida da região Nordeste (26,8%) e Norte (11,6%).

Com a incapacidade, e o desinteresse, de provisão de áreas urbanizadas para as famílias mais pobres, o fenômeno da favelização passou a existir em todo o país. Outra característica, especialmente nas grandes cidades, é a escassez de novas áreas passíveis de serem favelizadas, levando à visível verticalização daquelas melhor localizadas, como Rocinha e Rio das Pedras.

Os brasileiros pobres continuam saindo, ou sendo expulsos, do campo para as cidades, continuam tendo seus filhos, e a alternativa de moradia para essas pessoas é a mais precária. A produção de habitação social pelo Estado sempre foi imensamente insuficiente para a enorme carência e demanda existente. Mesmo programas vistosos, e urbanisticamente equivocados, como o Minha Casa Minha Vida não foram capazes de sequer arranhar a dimensão do problema.

Ao censo do IBGE é preciso acrescentar o levantamento realizado pela rede MapBiomas, que mostra como cresce a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis, e perigosas, como encostas e beiras de rios. Segundo esse levantamento, entre 1985 e 2023, a ocupação de áreas de encostas teve um aumento de 3,3% ao ano, maior que os 2,4% ao ano da expansão de áreas urbanas. Essa ocupação de encostas intensificou-se nos últimos 38 anos, quando 70% dessa ocupação ocorreu. No Rio de Janeiro, entre 1985 e 2023, ocorreu a ocupação de mais 811 hectares de áreas de encostas, o segundo maior crescimento em cidades do país, logo atrás de São Paulo, com 820 novos hectares ocupados.

Já a ocupação de beira de rios e córregos avançou no mesmo período à proporção de um para cada quatro hectares de novas áreas ocupadas nas cidades. Em 2023, 26,6% das áreas urbanas do país encontravam-se a três metros ou menos da beira de rios e córregos. Tal situação, além de impactar esses cursos d’água, traz enormes riscos para os moradores ali estabelecidos.

Nem todas as áreas ocupadas em encostas ou em beiras de rios são áreas de moradia de baixa renda. Mas, pelo histórico da evolução urbana brasileira, é bem provável que uma parte significativa o seja. É o processo descrito por estudiosos como injustiça ambiental, em que aos pobres são reservadas as áreas mais problemáticas das cidades. Se não são as áreas sujeitas a desastres naturais, são aquelas de grande concentração de poluentes, como bordas de lixões e depósitos de resíduos industriais.

Nas décadas de 1960 e 70, especialmente aqui no Rio, vendeu-se a falsa ideia de que seria possível erradicar as favelas. Na verdade, o alvo do poder público foram aquelas localizadas na Zona Sul da cidade. A transferência de seus moradores para locais distantes produziu áreas altamente valorizadas, como a Lagoa e o Leblon.

Já na década de 1990, teve início um processo de urbanização de favelas, o Favela-Bairro. No entanto, mesmo tendo sido internacionalmente reconhecido e replicado em outros países, ele foi paralisado pelo atual prefeito. Atualmente, a Cidade do Rio de Janeiro, assim como outras, não constrói habitação social, nem urbaniza suas favelas. Por mais estranho que isso pareça, o tema não esteve presente na campanha eleitoral municipal recentemente terminada. Realmente, não há motivos para surpresas com o dramático aumento das favelas.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

1 COMENTÁRIO

  1. Não há reforma agrária, e o agro de larga escala só cresce, expulsando pessoas do interior e causando danos ambientais terríveis.

    Nos grandes centros urbanos, a concentração de imóveis nas mãos desses famigerados e nojentos fundos imobiliários impede o acesso à moradia decente para os mais pobres.

    A política econômica do país há décadas privilegia o rentismo, com mega especuladores ganhando bilhões com juros sobre títulos da dívida pública e com essa taxa de juros criminosa, desencorajando o investimento em empresas de verdade, que geram empregos de verdade, aumentando a precarização da mão de obra do país.

    A nossa política fiscal não cobra impostos de quem tem muito dinheiro (os ladrões bilionários), e assalta a população trabalhadora assalariada. Em paralelo, de tempos em tempos, faz uma reforma fiscal que reduz gastos do Estado com a população em geral, para sobrar mais dinheiro para os rentistas de sempre. O resultado: mais empobrecimento da população.

    Esse efeito de favelização não deveria provocar surpresa nenhuma em quem entende alguma coisa sobre o funcionamento do país. Ou acabamos com esse modelo neoliberal e tiramos poder e riqueza dos bilionários, ou o quadro só vai se agravar.

    Quem defende o interesse privado sobre o interesse público é corresponsável por essa degradação da nossa sociedade.

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