Roberto Anderson: Desigualdade territorial e (in)justiça ambiental

O colunista do DIÁRIO DO RIO comenta sobre as enchentes que atingiram diversos bairros cariocas

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Nesse início de 2024, novas enchentes atingiram principalmente os bairros cariocas mais próximos à Baixada Fluminense e municípios daquela região. Essas áreas afetadas por alagamentos, com perdas de vidas e de bens materiais, são caracterizadas por serem áreas de moradia de pessoas mais pobres, e com pouquíssima infraestrutura de saneamento. De acordo com a realidade brasileira, essa população é predominantemente composta por pretos e pardos.

Como reação a essa situação, reavivou-se o debate sobre as consequências desiguais das calamidades ambientais e climáticas, conforme a situação social dos habitantes das cidades. Essa desigualdade econômica e territorial, também foi tratada com foco na questão racial, a partir da expressão racismo ambiental. No entanto, é preciso se questionar até que ponto a racialização desse tema não desvia o foco da raiz do problema, que seria a desigualdade econômica, característica do sistema capitalista, aqui um capitalismo selvagem. Assim, vale a pena revisitar a noção de justiça ambiental, que busca explicitar situações de injustiça nos territórios populares.

O movimento por Justiça Ambiental veio contestar a noção anteriormente dominante no movimento ambiental-ecológico de um meio ambiente uno, cujos problemas afetariam uniformemente a todos. Ao introduzir no debate ambiental as contradições existentes nas sociedades, o movimento por Justiça Ambiental explicitou que a questão ambiental é atravessada por contradições sociais.

Segundo David Harvey, os ricos ocupam nichos privilegiados no habitat, enquanto os pobres tendem a trabalhar e viver nas zonas mais tóxicas e arriscadas. Segundo o autor, nos EUA, o movimento por justiça ambiental e contra o racismo ambiental tornou-se uma força política significativa. Ele parte da constatação de que são as áreas ocupadas pelos pobres e por grupos raciais étnicos e culturais discriminados aquelas mais expostas aos problemas ambientais. Esses grupos têm dificuldades, impostas, de acesso aos recursos naturais e suas áreas são aquelas destinadas a receber os resíduos tóxicos e as atividades industriais poluentes.

Outra característica importante do movimento, é a de trazer para a discussão ambiental uma escala mais humana, em que os danos ambientais sejam enquadrados numa análise que considere a pobreza, as questões de classe social, de gênero e de localização geográfica. Ela permite superar uma visão de “culpabilização das vítimas”, na medida em que a pobreza muitas vezes é vista como um problema ambiental em si mesma e responsável pela dilapidação dos recursos, e não como uma questão de desigualdade na distribuição das riquezas.

O marco da luta por justiça ambiental foi o caso Love Canal em Buffalo, no Estado de New York, quando, em 1977, descobriu-se que os porões de casas da área estavam cheios de líquidos contaminantes, em função de terem sido indevidamente construídas sobre um canal aterrado. Em sua luta, o movimento por justiça ambiental tem aliado objetivos ecológicos a objetivos sociais, num processo que visa reforçar e empoderar as posições dos grupos em situação de desigualdade. Assim, movimentos de base local passaram a se articular na defesa de suas áreas de moradia, contra o despejo de substâncias tóxicas, contra localizações de atividades poluentes, ou contra a falta de condições adequadas de moradia.

Em sua organização, os movimentos por justiça ambiental são uma reação ao distanciamento daqueles que trabalham numa perspectiva global, os “globalistas”, dos problemas locais. Com isso, o movimento por justiça ambiental se mostrou uma renovação e radicalização revigorada do movimento ambiental, na medida em que foca nas vítimas ambientais.

A partir destas lutas localizadas, tais grupos realizaram uma ponte com temas mais gerais, crescendo em termos de abrangência territorial e social, e adotando uma visão que relaciona meio ambiente e justiça social. As questões levantadas pelo movimento por justiça ambiental são muito pertinentes a outros grupos sociais de outros países, especialmente aqueles do Sul Global, já que neles se repete o padrão de atingir bairros e empregos destinados aos pobres com poluição industrial ou com saneamento deficiente.

É importante salientar que a luta contra a pobreza, e contra condições de injustiça ambiental, se trava em condições muito difíceis. A nova realidade de ressurgimento da extrema-direita exige ainda maior atenção e clareza na comunicação. Sem se descuidar das lutas contra o racismo, a misoginia e a homofobia, entre outras, é fundamental a construção de discursos abrangentes que mobilizem o conjunto dos trabalhadores e pobres em geral das cidades e do campo. Nesse sentido, o conceito de injustiça ambiental tem muito a contribuir.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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