Roberto Anderson: Existe um lugar no Rio São João

A singularidade desse local, tão harmônico, tão charmoso, difere das quadras vizinhas, iguais a tantas outras, construídas sem muito esmero e atravessadas por estradas que destroem a possibilidade de constituição de um lugar

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O rio São João nasce próximo a Macaé de Cima, uma reserva ambiental. Depois desce a serra, em direção à sua foz em Barra de São João, no município de Casimiro de Abreu. Ali, antes de desaguar no mar, ele se demora entre morros, manguezais, ilhas fluviais, e a borda da graciosa localidade Beira Rio. 

Casas centenárias e sobrados, alinhados na rua, formam a moldura perfeita para o rio. Eles têm na sedimentação do tempo, aprisionado em argamassas de pedra e cal, a sua graça. As casas se alternam entre aquelas maiores, que um dia tiveram um rico proprietário, e as mais singelas, de fachadas estreitas. Mas todas compartilham a solidez e beleza da arquitetura antiga, de paredes grossas, telhados cerâmicos, janelas e portas com folhas de madeira e caixilhos de vidro. As cores das paredes são o branco e as variações do amarelo. E as janelas são de cores fortes, como o verde e o azul.  Um ou outro sobrado se alteia em meio ao conjunto, pontuando uma sutil diversidade naquilo que transmite confortante unidade.  

Há poucos carros na rua em frente aos sobrados, calçada em paralelepípedos. Entre a mesma e o rio, há árvores também centenárias, fortemente enraizadas na margem coberta por uma vegetação que nos convida a estender a toalha do piquenique. Aqui e ali bancos permitem ao visitante se sentar para ver o rio, as casas ou os poucos passantes. Na borda da água, deques de madeira são propícios à preguiça.

Em contraposição ao casario, o tempo do rio é corrente, não capturável, passando, sempre passando. Barcos amarrados nos ancoradouros se prendem à cidade. O rio, que já corre lentamente, parece retardar seu curso ao passar diante da Beira Rio. Há uma combinação entre movimento e permanência que faz o encanto do lugar.

É curioso que uma rua tão bonita tenha poucos moradores. Há restaurantes. Junto a um deles há uma casa disponível para locação, muito usada por clientes que não se sentem aptos a retornar para suas cidades após uma noitada de boa comida e boa bebida. A biblioteca municipal ocupa um dos imóveis, depois de ter abandonado outro que ameaçava ruir. No mais belo sobrado da rua morou Romaric Büel, ex-adido cultural do Consulado da França no Rio de Janeiro e promotor de memoráveis eventos culturais no Brasil.

A singularidade desse pedaço de cidade, tão harmônico, tão charmoso, difere das quadras vizinhas, iguais a tantas outras, construídas sem muito esmero e atravessadas por estradas que destroem a possibilidade de constituição de um lugar. Ao contrário dessas, a Beira Rio em Barra de São João é o espaço que nos conecta a outros lugares míticos do Brasil, como Paraty e Cachoeiras, e à doçura de um Dorival Caymmi. É lugar para o entardecer e o se deixar ficar. É joia a se preservar.    

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente texto sobre a bucólica e linda cidade Barra de Sao João onde tenho imóvel e familia morando lá..Conheço desde minha infância pois minha mãe nasceu cidade acima de Macae e sempre viajamos para lá, conheci quando não tinha tantos imoveis..Parabéns pelo texto

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