Roberto Anderson: Ladeiras e escadinhas

O Rio é uma cidade de muitos bairros altos, um pouco como Lisboa. Junto a qualquer bairro mais plano há sempre ladeiras que levam para o alto, com surpresas, belas vistas, escadarias e favelas

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Foto: Roberto Anderson

O Rio de Janeiro é uma cidade de muitos bairros altos, um pouco como Lisboa. Junto a qualquer bairro mais plano há sempre ladeiras que levam para o alto, com surpresas, belas vistas, escadarias e favelas. Há quem, por necessidade, faça esse percurso diariamente, muitas vezes a pé. E há quem utilize o serviço de motoboys e as velhas kombis, conhecidas como cabritinhos. 

Mas há também os que sobem a pé, pelo mero prazer de se exercitar, ou apenas para suprir a sua curiosidade. Diferentemente dos que fazem trilhas nas matas, eles praticam essas caminhadas urbanas olhando detalhes das construções, as árvores das calçadas ou dos terrenos, os telhados, as varandas, os portões e os muros. Tudo é motivo para observação, mesmo os buracos das ruas e das calçadas. 

Muros há muitos. Sempre altos, vedando ao máximo o olhar do passante para o interior do terreno. E sobre eles, as concertinas, aqueles rolos de aço com pontas afiadas, tipo antigas fronteiras de Berlim. Elas substituíram, quase que em 100%, os antigos cacos de vidro espetados nos topos desses muros. Comparados às concertinas, os cacos eram até ingênuos, e simpáticos em suas muitas cores. O objetivo daquelas é o mesmo: impedir invasões e roubos. Mas sua onipresença dá conta da crescente insegurança na cidade. 

No entanto, esses mesmos muros, que vedam e escondem, podem ser, eles também, objeto de observação para o caminhante mais atento. Há os em alvenaria, com a pintura tinindo de nova, há os desgastados pelo tempo, há os pichados, há os cobertos por heras, e há os que são interessantes pelo material inesperado de que são feitos, ou por reentrâncias e detalhes de que se compõem. 

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As calçadas das ladeiras são animadas em sua variedade. Bem-feitas, esburacadas, de cimento, de pedras portuguesas, de placas de pedra, sem pavimentação alguma, sob carros irregularmente estacionados, que impedem a passagem dos pedestres, ou cheias de matinho nas frestas, elas são as estrelas do caminho. As sarjetas também têm a sua personalidade. Isso quando existem, porque muitas das vezes há tantas camadas de asfalto que a rua pode estar mais alta do que a calçada. E os bueiros? Existem ou foram recentemente roubados por aproveitadores que vêm depenando a cidade. Quando esse é o caso, improvisa-se uma sinalização com algum pedaço de madeira enfiado no buraco, para tentar prevenir os passantes. 

Como se vê, não faltam detalhes para animar a subida, ou a descida. Essas ladeiras nunca são monótonas, porque sempre fazem curvas e mais curvas, provocando mudanças na perspectiva, na direção da incidência dos raios do sol, e no que se vê ao redor. A cada mudança de direção, muda a paisagem, o ângulo dos morros e das montanhas, e o que se consegue ver lá embaixo, pelas frestas dos portões e dos muros.

Nessas ladeiras, sempre há uma escadinha, que corta caminho entre duas voltas da subida. É possível pegar esse bendito atalho para o alto. Ou para baixo, porque quem sobe, depois desce. Essas escadinhas são a cara do Rio, já que estão por toda parte. E há casas que dão direto para as mesmas, uma graça. O endereço delas costuma ser o nome da rua mais abaixo, seguido de números e letras. 

Mesmo sendo recantos dos mais graciosos, nossas escadinhas são sempre malcuidadas. Os corrimãos, quando os há, são incompletos, os degraus, quebrados, têm falhas, e a iluminação é deficiente. É como se o serviço de conservação da Prefeitura, que apenas decenalmente se lembra de cuidar das ladeiras, esquecesse que entre elas há escadinhas. Não é à toa que, às vezes, alguém delas se apropria, como fez Selarón com sua escada na Lapa. E olhe que ela já tinha figurado no filme A Estrela Sobe, antes de ser a escada mais fotografada do Brasil.

O Rio é diverso. É beira-mar, é o luxo dos bons bairros da Zona Sul, é a cultura dos subúrbios e a vastidão da Zona Oeste. Mas é também uma miríade de ladeiras que convidam em seu serpentear morros acima. Se tiver um tempinho, calce um tênis e suba a ladeira mais perto da sua casa. E não esqueça de pedir ao Prefeito que cuide das escadinhas. 

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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