Roberto Anderson: Locomover-se a pé ou flanar?

Colunista fala sobre andar pelo Rio de Janeiro

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Foto: Roberto Anderson

Caminhar na cidade é opção ou necessidade? É opção quando se dá por lazer, na orla da praia, por exemplo, ou para se chegar a um destino próximo, em que não valha a pena tomar uma condução. É necessidade quando as condições financeiras assim o exigem, quando não há opção de transportes, ou, vá lá, quando se deseja melhorar o condicionamento físico. De qualquer forma, o caminhar é uma forma de mobilidade bem mais frequente do que imaginamos.  

Segundo pesquisa da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, referente a 2012, 36,4%, ou seja, mais de um terço dos deslocamentos em cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes se dava a pé. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com dados de pesquisa de origem e destino relativos a 2003, esses deslocamentos a pé alcançavam 33,8% do total. Em Niterói, de acordo com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDTU/2017, os deslocamentos a pé representaram 31% do total de deslocamentos dentro do município. Na Cidade do Rio de Janeiro, essa taxa seria um pouco mais baixa, de 27,24%, de acordo com o PMUS-Rio 2015, mesmo assim um número bastante expressivo.

Vemos então, que o caminhar é uma parcela importante dos deslocamentos nas nossas cidades. Mas em que condições de dá esse caminhar? Infelizmente, em não muito boas condições. Isso é uma história antiga. A entrada dos automóveis nas cidades empurrou os pedestres para espaços residuais. Pistas de rolamento foram alargadas, gerando calçadas estreitas, algumas com apenas meio metro de largura, ou pouco mais do que isso. O predomínio do automóvel não se deu sem danos físicos. Me lembro de minha infância em Belo Horizonte, viajando num dos ainda pouco numerosos automóveis da cidade, e vendo o povo nas ruas centrais, ocupando o asfalto, atravessando subitamente diante do carro, sem familiaridade com a nova ordem. A aceitação do confinamento às calçadas se deu por um forte processo de repressão sobre os pedestres.

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Uma vez confinados às calçadas e faixas de travessia, os pedestres passaram a circular por espaços malcuidados, com pavimentação irregular, falhas, desníveis, postes, empoçamentos em dias de chuva e raízes salientes de árvores. As vias asfaltadas são também malcuidadas, mas há taxas cobradas dos motoristas para serem aplicadas na sua manutenção. Já as calçadas, na Cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, são de responsabilidade do proprietário do imóvel fronteiriço, ficando o cumprimento da obrigação de mantê-las sujeito à muito falha fiscalização municipal. Essa é uma postura municipal que mereceria uma rediscussão envolvendo responsabilidades. Se é espaço público, porque o seu cuidado não é assumido pelo poder público?

Quando atravessam as vias de tráfego, os pedestres estão sujeitos à lógica rodoviarista, que permite a circulação de veículos em altas velocidades dentro das cidades, com pouco tempo para travessias das ruas para não impactar o trânsito dos veículos e, muitas vezes, obrigados a fazer trajetos complexos para alcançar o outro lado da via. Não é mesmo fácil a vida do pedestre e é surpreendente que, como vimos, aproximadamente um terço dos deslocamentos sejam feitos a pé.

Numa cidade como o Rio de Janeiro, com diversos bairros altos, um elemento fundamental dessa circulação a pé são as escadinhas. Elas cortam caminho entre vias que zigzagueiam morro acima. Da mesma forma que há vias em bairros consolidados e em favelas, existem também, nessas últimas, as escadinhas. Em geral são mais estreitas e sinuosas do que aquelas do “asfalto”. Em comum, têm o descuido do poder público com a sua manutenção. Poucas escadinhas têm corrimãos. Quando eles existem, estão quebrados ou enferrujados. E os degraus, em geral, são rachados, quebrados, com alturas nem sempre corretas, levando risco aos seus usuários.

Algumas dessas escadinhas ficaram famosas. Serviram de cenário para filmes, como A Estrela Sobe, receberam pinturas, ou, no caso daquela do filme citado, se transformaram em atração turística, após a intervenção com ladrilhos do artista Selaron. O que dizer da escadaria da Penha, que pede ao carioca ao menos uma visita durante a sua vida? Há essas escadinhas muito visíveis e há outras escondidinhas. Há escadinhas de turmas boa praça e as há de turmas barra pesada… Só não há escadinhas nas planilhas de conservação da Prefeitura.

Andar a pé pela cidade, por necessidade ou opção, pode ser bem mais agradável se o poder público cuidar dos caminhos por onde passamos. Se o poder público reconhecer os direitos dessa imensa massa de pessoas que se desloca a pé. Se o poder público acordar para as exigências do urbanismo contemporâneo, que coloca as pessoas, e não as máquinas, como fator determinante de seus projetos. Locomover-se a pé ou simplesmente flanar, se em boas condições, pode ser imensamente prazeroso.      

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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