Roberto Anderson: Mais um plano?

'Recentemente, foram divulgados os resultados desse estudo, definidos como um Masterplan do Centro do Rio de Janeiro'

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Em novembro de 2022, o BNDES anunciou que, em parceria com a prefeitura carioca, iniciaria um estudo para a requalificação de imóveis públicos no centro do Rio de Janeiro. O alvo inicial seriam 75 ativos imobiliários, cujos proprietários seriam procurados ao fim do estudo para que fossem sondados sobre o seu interesse em participar da estruturação de projetos junto àquele banco de investimentos. A iniciativa era muito bem-vinda, já que, absurdamente, o poder público mantém centenas de imóveis ociosos na área central da cidade. Recentemente, foram divulgados os resultados desse estudo, definidos como um Masterplan do Centro do Rio de Janeiro. O que seria um estudo de aproveitamento de imóveis ociosos extrapolou para um plano bem mais ambicioso, que exigiria da atual administração municipal uma complexa mudança conceitual na forma como vem administrando a cidade e aquela área em particular.

Os imóveis que fazem parte do estudo incluem terrenos já edificados ou não. Para todos eles foram feitos estudos volumétricos de aproveitamento. Curiosamente, foram ignorados dois terrenos da Rua da Carioca, na esquina da rua República do Paraguai, e um imenso terreno na Presidente Vargas, junto ao Museu Casa de Deodoro, invadido desde a década de 1990 e nunca retomado pela Prefeitura.

Para o terreno junto ao INCA, é proposta a ampliação do hospital, com a inovação de se reservar uma parte do mesmo para habitações. Para o antigo Moinho Fluminense é proposto um mix de residências, comércio e esportes. Para a sede da Polícia Federal, na Praça Mauá, é indicado o uso misto, abrigando residências e estabelecimentos comerciais voltados para a economia criativa e a gastronomia. A Polícia Federal seria realocada num terreno ao lado do INTO. Para o edifício junto à Central do Brasil, a proposta é transformá-lo num edifício residencial com comércio no térreo. O terreno da ESDI, na Cinelândia, seria intensamente edificado, com substituição das suas atuais instalações. Já para o Palácio Gustavo Capanema nenhuma alteração significativa de usos é proposta, salvo a possibilidade de um restaurante panorâmico na sua cobertura.

Um problema recorrente no estudo é a não compreensão das restrições trazidas por tombamentos, algo pouco compreensível num estudo com tantas consultorias. Para o imenso terreno junto à antiga estação da Leopoldina, é feita uma proposta, cuja volumetria e organização espacial é qualitativamente superior àquela apresentada pela Prefeitura no processo de cessão do imóvel, cuja implantação lembra a de um conjunto habitacional da década de 1970. No entanto, o estudo do Masterplan erra ao propor um volume muito contrastante em altura ao lado do bem tombado e ao propor edificar sobre as plataformas da antiga estação, que são igualmente tombadas. Para o conjunto de imóveis na Rua da Carioca 35, 37, 39, 43, 45, 47e 49, que incluem o Cine Íris e o Bar Luiz, o estudo propõe edificar em maior altura no miolo dos bens tombados. Somente uma interpretação excessivamente liberal do instrumento do tombamento permitiria algo assim. Por fim, no terreno da antiga Academia de Belas Artes, é proposta uma edificação com ocupação intensa do terreno, ignorando que o Corredor Cultural prevê uma praça cercada de edificações baixas no local.

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O que mais chama a atenção no Masterplan do BNDES são as propostas para o espaço público. Dentre os objetivos a serem alcançados pelo estudo, são listados um equilíbrio entre a oferta de moradias e empregos, a necessidade de um planejamento de longo prazo, a criação de polos mistos temáticos, e a busca por um Centro mais verde e sombreado, com calçadas convidativas, ciclovias e áreas de trânsito de baixa velocidade e intensidade. Para tanto, diversos aspectos do urbanismo contemporâneo, mais voltado para as pessoas e com atenção ao meio ambiente, são tomados como referências. Além dos aspectos já citados acima, são lembrados também o aumento das áreas verdes nas cidades, as fachadas e os tetos verdes, e a baixa altura das edificações, algo que contraria a prática legislativa da atual administração municipal. Como infraestrutura urbana, são listadas as propostas relacionadas com os conceitos de cidade esponja e de soluções baseadas na natureza, que envolvem maior permeabilidade do solo urbano, melhor gestão dos recursos hídricos e das águas das chuvas.

Partindo dessas premissas, são feitas propostas de novos parques e praças no Centro, corredores onde a circulação de pedestres seja prioritária, denominados no projeto de bulevares verdes e azuis. Verdes seriam os sombreados por arborização. E azuis, aqueles em que é proposta a criação de sistemas de jardins de chuva e a renaturalização de cursos d’água existentes, como o Canal do Mangue, o que incluiria transformá-lo num canal de terra. Se o alargamento das calçadas laterais da avenida Presidente Vargas, a redução das vias para veículos e a introdução de jardins de chuva são fáceis de entender como algo benéfico do ponto de vista ambiental, apesar de difícil implementação, a retirada da pavimentação do leito do canal é algo a ser melhor discutido. Vale lembrar que ele é um canal artificial de drenagem de uma grande área anteriormente pantanosa. Seria preciso estudar os efeitos geológicos e sanitários da infiltração de suas águas, que não são nada limpas, no subsolo da região.

Uma via paralela à avenida Presidente Vargas, a avenida Marechal Floriano, também seria alterada, com retirada total do tráfego de veículos, sendo permitido, além de pedestres, apenas o VLT e ciclovias. Não fica claro se haveria permissão para a circulação de veículos de carga e descarga ou para veículos demandando garagens. A rua do Riachuelo é outra via que teria seu tráfego reduzido. É ainda sugerida a redução dos ônibus da Rua da Carioca. Todas essas são vias no sentido de ligação do Centro com a Zona Norte, o qual perderia muito espaço para veículos.

Apesar de problemas pontuais na definição das volumetrias propostas, pode-se dizer que o BNDES convidou a Prefeitura para uma verdadeira sopa de pedras. Ingredientes interessantes, oriundos de uma visão mais conectada com um urbanismo sustentável foram sendo acrescentados a essa sopa. O que seria apenas um momento para pensar a destinação de imóveis públicos acabou sendo um plano abrangente, audacioso, com propostas de intervenções radicais no desenho urbano do Centro. As sugestões de edificações de baixa altura, com mistura de usos, diversidade de usos, fachadas ativas, ou seja, pavimentos térreos usados por comércio e demais andares conectados com as ruas, diferem das propostas ultimamente enviadas pela administração municipal para a aprovação semiautomática da Câmara de Vereadores. Os projetos apresentados para o espaço público são um desafio a que a Prefeitura demonstre que a sua participação em fóruns internacionais de cidades sustentáveis é séria. O plano foi feito, recursos foram gastos em sua elaboração, e veremos se será implementado, ou se será mais um para as prateleiras da Prefeitura.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Um masterplan com suas imperfeições, mas muito interessante para mudar o Centro.Cabe, como dito acima prefeitura e estado entrarem na sopa e chegarem em termo comum como edificações menores, porém nem tanto…mas é deve é muito priorizar a agenda metroviária com seus atrasos de décadas para fazer valer a pena a redução de veículos e devolver a rua, o lugar do encontro, ao pedestre. Linha 1 circular, linha 2 via Cruz Vermelha, linha 3 abaixo da Baía, linha 4 Centrox Alvorada via Jardim Botânico, linha 5 bifurcação a partir da Novo Rio/TIG sendo em direção ao Santos Dumont em direção a Leopoldina, Estácio, Rio Comprido, Cosme Velho seguindo para Botafogo e urca ou Humaitá até General Osório. Linha 6 (Alvorada x Galeão), linha Alvorada x Cocotá (via Linha amarela), linha Del Castilho x Tijuca (via Méier), linha Taquara x Central (via Pechincha, Freguesia, Três Rios, Lins, Vila Isabe, Maracanã, Quinta, Novo Rio, Central).

    Não é só o núcleo Central q deveria ter um Masterplan, então que se transforme boa parte dos trechos das linhas da Supervia em metrô priorizando o trecho, por exemplo, do ramal Japeri Central x Comendador Soares com trechos subterrâneos no core do Méier, Madureira e Anchieta e também nos centros de Nilópolis, Mesquita e Nova Iguaçú. Eliminando a barreira dos muros que segregam e criam gargalos de mobilidade na cidade, criando assim opções para boulevares, duplicações de calçadas, pistas e ligações viárias alternativas no outrora espaço dividido pelos muros da Supervia. Seria o primeiro grande plano para o grande Rio q não ficasse com os melhores investimentos só no Centro e zona Sul. Assim seria feito nos outros ramais.

    Voltando ao Centro é essencial q se amplie o VLT para os bairros ao redor do Centro,como São Cristóvão ( São januário, Feira, Quinta, CADEG), Usina, Andaraí, Grajaú, Vila Isabel, Glória, Laranjeiras, Urca, Botafogo e até o Leme no máximo q não possui metrô próximo, como alcança os bondes, dando opção além do carro e mais barato q um transporte de massa pesado para quem mora a menos de 10km do Centro.

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