Roberto Anderson: Manhattan no Centro?

' O plano do Rio acaba de ser aprovado em primeira discussão, o que significa que os vereadores voltarão a votar mais uma vez. Mas sem muita discussão pela sociedade'

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Foto: Roberto Anderson

Neste mês de junho, as Câmaras Municipais das duas principais cidades do Brasil estiveram discutindo a revisão dos planos diretores das mesmas. Em São Paulo o plano foi aprovado, mas o pau quebrou, com intensa participação de setores contrários ao que o plano estabelece, dos grupos de pressão, dos políticos, tudo isso bem coberto pela imprensa, inclusive nos noticiários da TV aberta. O plano do Rio acaba de ser aprovado em primeira discussão, o que significa que os vereadores voltarão a votar mais uma vez. Mas sem muita discussão pela sociedade. 

Um dos principais pontos de discórdia no Plano Diretor paulista é a ampliação do raio em torno das estações de metrô, onde é permitida uma forte verticalização das edificações. A justificativa é favorecer o adensamento junto aos principais eixos de transporte, aliviando a pressão sobre as áreas de preservação nas periferias da cidade, o que é correto. No entanto, nas áreas abrangidas pelos raios até então vigentes, no Plano Diretor anterior, o que tem ocorrido é a construção de pequenos estúdios com preços exorbitantes, somente acessíveis a compradores de alta renda. Além disso, apenas os bairros mais valorizados têm sido alvo desses projetos, que os desestruturam, ampliando a segregação espacial na cidade. Ou seja, as boas intenções falharam frente à lógica do mercado imobiliário. 

No Rio, a discussão sobre o novo Plano Diretor, inicialmente, se deu entre técnicos da área de urbanismo da Prefeitura na administração Crivella. Depois prosseguiu na atual. Agora, caminha-se para a aprovação completa deste plano na Câmara, por uma maioria com a qual conta o Prefeito (todos os prefeitos sempre conseguem essas maiorias), pouco crítica e de pouca independência. Participação da população, a principal interessada? Quase nenhuma. 

Da mesma forma, a Câmara carioca aprovou recentemente o projeto do Prefeito que permite, não só legalizar alterações fora das regras estabelecidas para as construções, como também legalizar irregularidades ainda na fase de projeto. Tudo isso mediante pagamento. É a lei dos puxadinhos, a mais valia, e a dos puxadinhos futuros, a mais valerá. Esta última é uma criação do ex-prefeito Crivella, alegremente adotada pelo atual. A população carioca discutiu? A imprensa repercutiu a contento? Novamente, a resposta é não. 

Outro projeto de lei que está em discussão na Câmara de Vereadores do Rio é a revisão do projeto Reviver Centro, o Reviver 2, ou PLC 109/2023. Como as justificativas para as duas versões do projeto são corretas, ou seja, a necessidade de revitalizar o Centro, seriamente atingido em sua vitalidade após a pandemia, poucos se debruçam sobre as suas incoerências e distorções. Se o primeiro Reviver já oferecia vantagens às construtoras, como receber um adicional de 40% na possibilidade de construção em Ipanema, Copacabana, Tijuca e Zona Norte, caso as mesmas construíssem no Centro, o novo projeto oferece um adicional de 100% em toda a Zona Sul, na Barra, no Recreio e na Zona Norte. É o adensamento forçado de bairros, muitos deles já saturados, desrespeitando os planos locais. 

O projeto não para por aí. É proposta a liberação total em altura para prédios entre o Castelo e a Candelária. Segundo o prefeito, isso é comparável ao que ocorre em certas partes de Nova Iorque. Será isso o que os cariocas desejam? Alguém discutiu isso seriamente? A paisagem cultural foi considerada? É bom lembrar que essa área já é medianamente verticalizada e conta com exemplares interessantes, como o Mayapan, o edifício “bolo de noiva”, que poderão ficar espremidos entre novos arranha-céus. 

Toda essa legislação, e parâmetros edilícios, parece complicada, afastando o cidadão, que depois irá sofrer as consequências. Até hoje a paisagem carioca sofre os efeitos das alterações nos gabaritos permitidos para edificios na Zona Sul, promovidas pelo ex-prefeito Marcos Tamoio. São centenas de edificios mais altos do que seus vizinhos, com empenas cegas à mostra. Não gostamos quando vemos, mas não foi possível impedir à época que tais mudanças fossem realizadas. Por isso, é preciso discutir e destrinchar as alterações na legislação urbana quando propostas. 

Recentemente, em Paris, o prefeito do Rio assumiu a co-presidência de uma Comissão que visa criar um novo organismo internacional de cidades com vistas ao desenvolvimento sustentável. Essa co-presidência se dá com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e com o economista Jeffrey Sachs, nomes bastante considerados no cenário internacional. Será que o prefeito carioca contou à sua congênere parisiense que na Cidade Maravilhosa irregularidades urbanísticas, as atuais e as futuras, são sanadas mediante pagamento? E que para convencer as construtoras a construírem no Centro, são sacrificados os parâmetros urbanísticos de outros bairros? E que Manhattan pode ser adotada como modelo para o Centro? É possível imaginar que reação a prefeita teria.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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