Roberto Anderson: Murar os palácios de Brasília?

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre artigo publicado no jornal Estadão, no qual o economista Roberto Macedo defendeu intervenções na arquitetura palaciana de Brasília

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Em artigo recente, publicado no jornal Estadão, o economista Roberto Macedo defendeu intervenções brutais na arquitetura palaciana de Brasília (Os vulneráveis edifícios de Brasília, de 19 de janeiro de 2023). Seu artigo foi motivado pela barbárie produzida na tentativa canhestra de golpe no último dia 8 de janeiro. Nessa ocasião ficou evidente que, se as forças de segurança se ausentarem, o que de fato ocorreu, tais edifícios se tornam presas fáceis de turbas enfurecidas. Após criticar a possibilidade de um arquiteto de orientação política comunista construir palácios de governo (que sandice!), a conclusão do articulista é que a arquitetura moderna, com sua leveza e transparência, seria inadequada para sediar o poder.

As soluções absurdas advindas dessa tese são então listadas. Macedo propõe a substituição das paredes de vidro das edificações da praça dos Três Poderes por muros de alvenaria. E que as portas envidraçadas sejam substituídas por grossas portas de ferro ou madeira. Quase se pode concluir que o passo seguinte seria a criação de um fosso e de pontes levadiças. 

O mais curioso é que, com sua formação, que passa a anos luz da formação dos arquitetos e urbanistas, o economista inicia suas proposições pela pergunta sobre o que fazer. Ele deve acreditar que está apto a prescrever receitas para a intervenção em obras de arquitetura. Como ele se sente à vontade para discorrer sobre soluções para alguns dos edifícios mais icônicos de Brasília, é possível imaginar que, na sua concepção, a arquitetura seria uma disciplina sem necessidade de formação específica, passível de ser equacionada na base de palpites de qualquer um.

Arquitetos, como Nádia Somekh e Hugo Segawa, já escreveram a respeito, contestando as ideias estapafúrdias do articulista, a sua falta de competência para julgar obras de arquitetura e para propor alterações tão drásticas, e a visão elitista do mesmo sobre cidades. Mas, nunca é demais buscar outros pontos de vista. Ainda mais quando a provocação é da arquiteta e amiga Fabiana Izaga.

Inicialmente, duas questões saltam aos olhos. Brasília é Patrimônio da Humanidade e como tal tem sua arquitetura protegida para o conhecimento e usufruto por novas gerações. Assim, as tontices propostas no artigo citado jamais poderiam ser implementadas. E o Capitólio, em Washington, que tem uma arquitetura tradicional, com altos muros e paredes espessas, tampouco ficou a salvo de uma invasão e depredação. Em comum às duas situações está o poder da construção de falsas narrativas por governantes e pessoas inescrupulosas, que são capazes de mobilizar multidões enfurecidas e iludidas. 

As ameaças atuais à democracia não se detêm frente a edifícios de paredes mais sólidas. Após a explosão de um carro bomba em um prédio do governo americano em Oklahoma City, duas quadras da avenida que passa em frente à Casa Branca foram fechadas ao tráfego de veículos. Igualmente foi vedado o acesso de veículos nas proximidades da sede do governo britânico. E barreiras físicas foram colocadas próximas ao Parlamento britânico. Essas também são edificações robustas, características de um outro momento da arquitetura. 

As sedes do poder em Brasília são leves e elegantes, projetadas pelo genial Oscar Niemeyer. São belos exemplares da arquitetura moderna brasileira, pensadas para um país que respirava otimismo e almejava o progresso. São caudatárias da evolução da arquitetura e das técnicas construtivas, que passaram a exigir suportes cada vez mais delgados e a possibilidade de substituir a opacidade da alvenaria pela leveza dos panos de vidro. Os palácios de Brasília exibem o orgulho de uma arquitetura que, partindo de projetos inovadores, como os da ABI e do MEC no Rio de Janeiro, soube criar obras que foram celebradas mundo afora. 

As sedes da República brasileira foram pensadas para criar proximidade com o povo. São vulneráveis, como se viu, porque o país da época da sua construção era outro, com uma população que se orgulhava e respeitava os símbolos do poder, que se imaginava seria sempre democrático. Isso parece estar em questionamento, pelo menos para uma parcela dos brasileiros. Para que voltemos à harmonia e à civilidade frente às instituições da República e suas sedes, e frente a obras de arte, precisaremos superar as enormes fraturas sociais que vivenciamos, enfrentar o poder da mentira e da desinformação, e, nunca é demais dizer, investir em mais educação. Enquanto isso é preciso restaurar pacientemente o que se vandalizou e passar a contar com uma guarda verdadeiramente comprometida com a proteção da República. 

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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