Belo Horizonte era uma cidade calma, onde era fácil circular entre bairros, se você tivesse um automóvel. Aliás, esses não eram tão abundantes e os pedestres pareciam ainda não ter se acostumado com as regras que os empurravam para as calçadas quando o sinal estivesse fechado. Isso ficava evidente nas ruas mais movimentadas do Centro, em que as pessoas praticamente se jogavam sobre os veículos quando queriam atravessá-las.
A avenida mais importante da cidade, a Afonso Pena, tinha uma larga faixa central arborizada. Essa faixa era pavimentada em paralelepípedos, que separava as pistas asfaltadas por onde circulavam os automóveis. Duas fileiras de Fícus benjamina, espécie de árvore muito frondosa, marcavam as bordas dessa faixa, e ali aconteciam as feiras livres e outros eventos. Nas calçadas laterais havia mais árvores, o que fazia dessa avenida uma das mais belas da cidade. O poeta Carlos Drumond de Andrade a ela se referiu como um “túnel espesso de verdura”. Depois, as tais exigências do progresso, e o pretexto da infestação do inseto que aqui no Rio ficou conhecido como “lacerdinha”, levaram à erradicação de todas as árvores da faixa central da Afonso Pena. Um dos maiores crimes paisagísticos e ambientais naquela cidade, cometido por algum prefeito obtuso.
Num desses anos da minha infância, passamos o Natal na casa da minha avó, que morava num bairro, àquela época, considerado afastado, já que ficava depois da Avenida do Contorno. Ela era uma senhora roliça, já cansada do trabalho de criar nove filhos sem muita ajuda do marido, mas que guardava uma risada gostosa. Muito católica, e sem muitos luxos, conduziu aquele Natal de forma singela.
A principal atividade da noite foi a missa do galo, assistida na principal igreja de Belo Horizonte. Ir à missa noturna era um passeio diferente, que gerava curiosidade antes de acontecer. Mas era também um desafio contra o sono, que as palavras e cânticos repetidos provocavam. Toda a família compareceu à missa, assim como pareceu ser o caso dos moradores de outros lares, já que a igreja estava repleta.
Após a missa voltamos para casa, onde alguns presentes nos aguardavam. Não havia deslumbramento com os presentes, lembranças reservadas somente às crianças. Nada caro, tudo dentro das posses de uma família de classe média de então. Como a querer nos lembrar que o ato mais importante da noite, a missa, já tinha acontecido, fomos logo mandados para a cama. Apreciar os novos brinquedos era coisa para o dia seguinte. E o sono produzia a docilidade para seguir o que nos era indicado. Camas simples, árvore de natal simples, enfeites simples. A vida era simples.
Bom Natal.