Localizado na Rua da Gamboa, o Cemitério dos Ingleses é o mais antigo a céu aberto da Cidade do Rio de Janeiro, o que exclui as áreas de sepultamento anteriormente existentes junto ou dentro das igrejas católicas. Ele foi criado após o tratado de amizade entre D. João VI e o Reino Unido em 1810, sendo destinado a receber os súditos ingleses que chegavam ao Brasil após aquele tratado, e que aqui faleciam. Já em 1823 a beleza do seu sítio, em pequena elevação arborizada junto ao mar, era notada por Maria Graham em seu “Diário de uma viagem ao Brasil”:
“Fui hoje a cavalo ao cemitério protestante, na praia da Gambôa, que julgo um dos lugares mais deliciosos que jamais contemplei, dominando lindo panorama em todas as direções. Inclina-se gradualmente para a estrada, ao longo da praia. No ponto mais alto há um belo edifício constituído por três peças: uma serve de lugar de reunião ou, às vezes, de espera para o pastor; uma de depósito para a decoração fúnebre dos túmulos; e a maior, que fica entre os dois, é geralmente ocupada pelo corpo nas poucas horas (pode ser um dia e uma noite), que neste clima podem decorrer entre a morte e o entêrro. Em frente ao edifício ficam as várias sepulturas e os vãos monumentos que erguemos para relevar nossa própria tristeza. Entre estes e a estrada, algumas árvores magníficas”.
Em 1985 o Cemitério foi tombado pelo Estado do Rio de Janeiro, justamente por suas qualidades paisagísticas. O inventário realizado pelo Inepac ressaltou a arborização e as campas baixas, muitas delas apenas cobertas por vegetação. No entanto, o entorno que tanto encantou Maria Graham já não existe. O mar foi afastado por aterro, no qual foi criado um pátio da Rede Ferroviária. Após a desativação do pátio ferroviário, parte do terreno hoje se encontra ocupada pela Cidade do Samba, cuja arquitetura pouco inspirada se ergue como um paredão, vedando a visão do horizonte à frente do cemitério. Excessivamente próxima também, está a estação do Teleférico do Morro da Providência, cujas dimensões impactam negativamente a ambiência daquele Patrimônio.
Aos fundos do Cemitério dos Ingleses, casas do Morro da Providência, que já alcançam vários pavimentos, foram construídas coladas ao seu muro, inclusive utilizando o mesmo como paredes. Além disso, é possível ver lixo jogado por cima do muro, e há relatos de que o esgoto de algumas dessas casas é vazado para dentro de cemitério.
Ao longo do tempo, o Cemitério dos Ingleses alterou também sua feição. Houve uma contínua progressão da pavimentação de caminhos e espaços livres e a cobertura das sepulturas com placas de cimento ou pedra. As novas sepulturas são mais altas que as antigas. Algumas permanecem, de forma absurda, sem revestimento, com a alvenaria de tijolo aparente. Muitas árvores deixaram de ser repostas após serem cortadas ou caírem. Assim, é possível notar algumas clareiras, especialmente junto às divisas do terreno.
Para efeito de comparação, vale à pena observar sítios semelhantes, como o Cemitério dos Ingleses em Recife, cujas sepulturas permanecem pouco cobertas, ou como cemitérios do Reino Unido, alguns tão antigos como o Cemitério dos Ingleses do Rio de Janeiro. Ali é possível perceber a presença de extensas áreas verdes, maior espaçamento entre as sepulturas, menor altura das mesmas, ou mesmo a inexistência de sua marcação poligonal, com o afloramento apenas da lápide ou do monumento em memória do falecido.
Um estudo de Jenifer White sobre cemitérios ingleses informa que lá, somente após 1650, os sepultamentos passaram a ser feitos fora de igrejas. Na falta de um modelo, os primeiros cemitérios seguiam o paisagismo de parques privados, com a capela tomando o lugar das casas senhoriais. A partir de 1815, o cemitério francês de Père Lachaise, com seus monumentos mortuários, passou a influenciar os cemitérios ingleses. Esta influência, no entanto, não os fez perder a presença de elementos naturais, numa rememoração da natureza idealizada pelo romantismo, tão cara aos parques de estilo inglês.
Para que o Cemitério dos Ingleses volte a se destacar por suas qualidades originais, seria importante a implementação do projeto de paisagismo já elaborado para o mesmo, que indica áreas onde a pavimentação deveria ser retirada, áreas a serem ajardinadas ou gramadas, e um plano de manejo das árvores existentes, com previsão de sua reposição e plantio de novas unidades. Outra providência importante, se possível, seria a retirada de boa parte das coberturas das sepulturas mais recentes, tornando-as simples, e por que não, belos canteiros ajardinados. O Rio de Janeiro teria de volta, então, um lugar aprazível para passeios meditativos e apaziguantes.