Roberto Anderson: O Cemitério dos Ingleses

O colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre o mais antigo cemitério a céu aberto da cidade do Rio de Janeiro

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Localizado na Rua da Gamboa, o Cemitério dos Ingleses é o mais antigo a céu aberto da Cidade do Rio de Janeiro, o que exclui as áreas de sepultamento anteriormente existentes junto ou dentro das igrejas católicas. Ele foi criado após o tratado de amizade entre D. João VI e o Reino Unido em 1810, sendo destinado a receber os súditos ingleses que chegavam ao Brasil após aquele tratado, e que aqui faleciam. Já em 1823 a beleza do seu sítio, em pequena elevação arborizada junto ao mar, era notada por Maria Graham em seu “Diário de uma viagem ao Brasil”:

“Fui hoje a cavalo ao cemitério protestante, na praia da Gambôa, que julgo um dos lugares mais deliciosos que jamais contemplei, dominando lindo panorama em todas as direções. Inclina-se gradualmente para a estrada, ao longo da praia. No ponto mais alto há um belo edifício constituído por três peças: uma serve de lugar de reunião ou, às vezes, de espera para o pastor; uma de depósito para a decoração fúnebre dos túmulos; e a maior, que fica entre os dois, é geralmente ocupada pelo corpo nas poucas horas (pode ser um dia e uma noite), que neste clima podem decorrer entre a morte e o entêrro. Em frente ao edifício ficam as várias sepulturas e os vãos monumentos que erguemos para relevar nossa própria tristeza. Entre estes e a estrada, algumas árvores magníficas”. 

Em 1985 o Cemitério foi tombado pelo Estado do Rio de Janeiro, justamente por suas qualidades paisagísticas. O inventário realizado pelo Inepac ressaltou a arborização e as campas baixas, muitas delas apenas cobertas por vegetação. No entanto, o entorno que tanto encantou Maria Graham já não existe. O mar foi afastado por aterro, no qual foi criado um pátio da Rede Ferroviária. Após a desativação do pátio ferroviário, parte do terreno hoje se encontra ocupada pela Cidade do Samba, cuja arquitetura pouco inspirada se ergue como um paredão, vedando a visão do horizonte à frente do cemitério. Excessivamente próxima também, está a estação do Teleférico do Morro da Providência, cujas dimensões impactam negativamente a ambiência daquele Patrimônio. 

Aos fundos do Cemitério dos Ingleses, casas do Morro da Providência, que já alcançam vários pavimentos, foram construídas coladas ao seu muro, inclusive utilizando o mesmo como paredes. Além disso, é possível ver lixo jogado por cima do muro, e há relatos de que o esgoto de algumas dessas casas é vazado para dentro de cemitério. 

Ao longo do tempo, o Cemitério dos Ingleses alterou também sua feição. Houve uma contínua progressão da pavimentação de caminhos e espaços livres e a cobertura das sepulturas com placas de cimento ou pedra. As novas sepulturas são mais altas que as antigas. Algumas permanecem, de forma absurda, sem revestimento, com a alvenaria de tijolo aparente. Muitas árvores deixaram de ser repostas após serem cortadas ou caírem. Assim, é possível notar algumas clareiras, especialmente junto às divisas do terreno. 

Para efeito de comparação, vale à pena observar sítios semelhantes, como o Cemitério dos Ingleses em Recife, cujas sepulturas permanecem pouco cobertas, ou como cemitérios do Reino Unido, alguns tão antigos como o Cemitério dos Ingleses do Rio de Janeiro. Ali é possível perceber a presença de extensas áreas verdes, maior espaçamento entre as sepulturas, menor altura das mesmas, ou mesmo a inexistência de sua marcação poligonal, com o afloramento apenas da lápide ou do monumento em memória do falecido. 

Um estudo de Jenifer White sobre cemitérios ingleses informa que lá, somente após 1650, os sepultamentos passaram a ser feitos fora de igrejas. Na falta de um modelo, os primeiros cemitérios seguiam o paisagismo de parques privados, com a capela tomando o lugar das casas senhoriais. A partir de 1815, o cemitério francês de Père Lachaise, com seus monumentos mortuários, passou a influenciar os cemitérios ingleses. Esta influência, no entanto, não os fez perder a presença de elementos naturais, numa rememoração da natureza idealizada pelo romantismo, tão cara aos parques de estilo inglês. 

Para que o Cemitério dos Ingleses volte a se destacar por suas qualidades originais, seria importante a implementação do projeto de paisagismo já elaborado para o mesmo, que indica áreas onde a pavimentação deveria ser retirada, áreas a serem ajardinadas ou gramadas, e um plano de manejo das árvores existentes, com previsão de sua reposição e plantio de novas unidades. Outra providência importante, se possível, seria a retirada de boa parte das coberturas das sepulturas mais recentes, tornando-as simples, e por que não, belos canteiros ajardinados. O Rio de Janeiro teria de volta, então, um lugar aprazível para passeios meditativos e apaziguantes.  

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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