Roberto Anderson: O fim do anfiteatro da Lapa

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a importante área turística da região central do Rio de Janeiro

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Arcos da Lapa - Foto: Reprodução

O antigo aqueduto que trazia a água do rio Carioca para a velha cidade do Rio de Janeiro, conhecido como Arcos da Lapa, com o perdão do Cristo Redentor, talvez seja o monumento mais importante que aqui temos. É importante por ser uma notável obra de engenharia, ainda quando a cidade sequer era a capital da colônia. É importante também por sua bela e marcante presença na paisagem da área central. E é querido por estar no reduto da boemia e por dar passagem ao bondinho de Santa Teresa.

Durante o século XIX, e início do XX, a Lapa adensou-se, e inúmeras edificações ecléticas, e edifícios de apartamentos foram construídos no entorno dos Arcos. Assim, a visão que se tinha daquela obra passou a ser fragmentada, filtrada pela cidade. Três arcos no fim de uma rua, um arco da janela de um apartamento, os arcos em diagonal da sacada de um sobrado. Era assim que os Arcos eram vistos, e não havia nada de errado com isso. Até que as concepções urbanísticas dos arquitetos modernistas conseguiram se impor.

Uma avenida cortando a cidade de Norte a Sul começou a ser traçada. Para tanto, diversos sobrados da Rua da Lapa foram demolidos, assim como no Largo da Lapa. A avenida avançaria pelo que hoje é a SAARA, não fosse a preservação daquela área pelo Corredor Cultural. Da sua grandiosidade original só restou a atual avenida Paraguai, um trecho curto atravessando o vazio.

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Vieram também projetos equivocados de conjuntos de prédios modernistas, de autoria de importantes arquitetos, entre eles Affonso Eduardo Reidy. Os projetos não foram adiante, mas as demolições que provocaram já estavam feitas. Sobrou uma Rua da Lapa como uma boca banguela, em que alguns sobrados estão no antigo alinhamento e os prédios mais recentes têm afastamentos exagerados. Sobrou também um Largo da Lapa desestruturado, um grande vazio, onde, como era caro aos modernistas, os Arcos deveriam reinar absolutos, sem um contexto urbano a lhes circundar. E vias cruzando em X num desenho ilógico.

Em 1992, com projeto do arquiteto Augusto Ivan, a Lapa foi reurbanizada. Uma das intenções do projeto era reordenar a geometria das vias, já que as diversas demolições ali ocorridas tinham resultado em calçadas estreitas, largas pistas para automóveis e sentidos conflitantes dessas vias em relação à disposição do casario. Havia ainda a intenção de dotar o entorno dos Arcos da Lapa de um projeto paisagístico que mitigasse o estrago já feito.

A intervenção realizada criou um anfiteatro no largo diante dos Arcos, em que os degraus eram construídos com lajedos, aquelas enormes placas de pedra que pavimentaram algumas calçadas da cidade no passado. Nos anos que se seguiram, esse anfiteatro recebeu diversas manifestações artísticas, como peças de teatro, apresentações de grupos circenses, espetáculos de rock e o animado carnaval da Lapa. Lá se reuniam os últimos foliões nas madrugadas da quarta-feira de cinzas.

No entanto, na primeira administração do atual prefeito, seu então secretário para todos os assuntos urbanos e Patrimônio cismou com o anfiteatro. Talvez fosse um preconceito estético, talvez uma tentativa de evitar que crianças de rua ali se escondessem. O fato é que o anfiteatro foi demolido.

No seu lugar ficou apenas uma área pavimentada, pobre em termos de concepção paisagística. Os lajedos foram dispostos em semicírculo e as pedras costaneiras, algumas já muito danificadas foram reaproveitadas. Não houve sequer o cuidado de substituir aquelas já muito danificadas, resultando em verdadeiros painéis de caquinhos. A cidade perdeu um espaço de apresentações artísticas e poucos se deram conta disso. E os Arcos, bem ao gosto dos modernistas, ficaram olimpicamente isolados na paisagem.

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entrar grupo whatsapp Roberto Anderson: O fim do anfiteatro da Lapa
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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8 COMENTÁRIOS

  1. Se existem coisas pra se lamentar a falta, na Lapa, são elas: os banheiros públicos (qual a dificuldade?), a segurança (não dá pra conviver com a feira do “pó de dez””, no “ponto turístico” da rua Joaquim Silva e a cracolândia da rua dos Arcos) e uma boa de uma limpeza pós-noitadas.
    ps. Volta lagoa do Boqueirão da Ajuda!

  2. Suas contribuições sempre tão importantes, Roberto.
    Seria realmente importante reativar o que pode ser a Lapa para convívios e produção de vida de seus moradores e não apenas um lugar ermo para palanques e shows.

  3. Foi destruído. Sou diretor do Grupo de Teatro Tá na Rua. Sediado a avenida. MEM DE SA 35. Numa casa a nos cedida em comodato pelo governo Brizola numa tentativa de salvar o centro do Rio de Janeiro. O anfiteatro era nosso lugar natural de apresentação. Imploramos ao prefeito Eduardo Paes que não o demolições. Inutilmente. O prefeito dizia que a população de rua se utilizava do lugar e queriam afasta lá dHojeali. Deixando o lugar inóspito e desagradável. Bancos e arvores foram sumariamente destruídos. Muitas vezes chorei vendo a demolição!!!! Hoje é o que se sabe e se vê. E a população de rua continua por lá sem ter nem mesmo como se sentar. Nós amamos o Rio de Janeiro e nunca vamos nos refazer da dor que está trágica e estupida intervenção nos provocou. E a toda a cidade temos certeza!!!

    • Amir, fico honrado por ter sido lido por você e emocionado por saber que compartilhamos a mesma dor e frustração pela perda de um espaço para a arte pública no nosso Rio de Janeiro. Estive junto com você na luta contra a expulsão dos cenotécnicos do Galpão das Artes, luta que perdemos e o galpão foi demolido. Hoje,assim como na Lapa, não há nada no lugar. Abraços.

  4. Roberto Anderson, que bom q mais alguém comunga comigo a ausência deste anfiteatro. Mas discordo de vc de que o anfiteatro proposto pelo grande Urbanista Augusto Ivan foi destruído. Acredito que ele foi só aterrado. Vamos fazer uma campanha para que ele renasça sob os arcos da lapa?

    • Vou comentar como leiga sobre a política da cidade do Rio de Janeiro, mas incomformada com o o desprezo dos políticos com a Lapa e para com a região central da cidade maravilhosa, que visa apenas a Zona Sul, esquecendo-se da relíquia de sua história. Em meu retorno na cidade pude constatar a sua decadência , sujeira, desleixo, mau cheiro , ruas vazias, o povo com medo de andar nas ruas da cidade , que gritava por gentileza!!! Sim, o museu do amanhã uma iniciativa fantástica, entre outras , mas é preciso muito mais, um olhar do governo com seriedade ao patrimônio desta cidade , a Lapa, o centro , mais respeito com a própria história, onde tudo começou. E, sim, vamos todos fazer uma campanha para que o anfiteatro renasça nos Arcos da Lapa! Vamos todos juntos , unidos e misturados lutar por este patrimônio tão nosso, cariocas ou não! Me assino uma gaúcha de alma carioca, morei aqui e hoje meus retornos são para matar a saudade deste povo”maneiro e hospitaleiro), da cidade maravilhosa. Sempre agradecendo por ser recebida pelo maior abraço do meu Cristinho” .
      PS: Desculpem o textão, mas estou unida e empenhada também em querer o renascimento do anfiteatro, assim como a preservação de toda história cultural existente no centro do Rio, seguimos juntos !

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