Roberto Anderson: O passado favelado do Leblon

Engana-se quem só conhece o presente glamoroso do Leblon, cenário das tramas novelescas que retratam a burguesia carioca, o bairro já teve favelas conhecidas

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Ipanema e Leblon se alternam na posição de bairros com o maior valor do m² na Cidade do Rio de Janeiro. Se o primeiro convive com o conjunto de favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, o Leblon é um bairro sem nenhuma comunidade do gênero. Mas, nem sempre foi assim. Engana-se quem só conhece o seu presente glamoroso, cenário das tramas novelescas que retratam a burguesia carioca. Aqui, os bairros da classe média quase sempre têm alguma favela por perto.

A Barra da Tijuca, por exemplo, cresceu guiada por um projeto urbanístico do poder público, na segunda metade do século XX, e pela ação do mercado imobiliário. Mas, esse crescimento foi acompanhado do surgimento de favelas no Recreio e em Jacarepaguá. Da mesma forma, Ipanema e a orla do Leblon cresceram a partir de loteamentos formais, respectivamente do fim do século XIX e do início do XX, mas acompanhados do surgimento de favelas nas áreas próximas à Lagoa Rodrigo de Freitas.

Praia do Pinto, Largo da Memória e Ilha das Dragas foram favelas expressivas no Leblon, ou na sua fronteira com Ipanema, mas já não existem. No lugar da primeira, foi erguido o condomínio Selva de Pedra. O Largo da Memória é agora um terreno militar à espera de um empreendimento imobiliário. E a Favela das Dragas, que existiu diante do Clube Caiçaras, não deixou vestígios.

Essa concentração de favelas na parcela Norte do Leblon talvez se explique pela dinâmica da ocupação do bairro e por sua geografia, agora muito modificada. De fato, a ocupação dessa área da Zona Sul se deu por dois vetores. Um, que vinha de Botafogo, passando por Copacabana, via Túnel Velho, chegando à restinga dividida ao meio pelas águas que extravasavam da Lagoa Rodrigo de Freitas. Nessa área surgiram os loteamentos que conformaram os dois bairros. O de Ipanema, com quadras mais alongadas no sentido da praia, e o do Leblon, com quadras mais longas no sentido mar-lagoa.

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O outro vetor de ocupação saía de Botafogo em direção ao Jardim Botânico. Mas, logo encontrava obstáculos, como o próprio Jardim Botânico, e a lagoa, que alcançava aquele parque e a atual Praça Santos Dumont. Assim, a área nos “fundos” do Leblon era alagadiça e de difícil acesso. Quem, senão os mais pobres, toparia ocupá-la? É sabido que as áreas sujeitas a alagamentos ou deslizamentos são as que restam para a ocupação das famílias mais pobres.

A favela do Largo da Memória teve uma remoção precoce, em relação às demais remoções. Ela ocorreu em 1941, sob o comando do prefeito Henrique Dodsworth, nomeado interventor no Distrito Federal durante o Estado Novo. Uma parte dos seus moradores foi transferida para o Parque Proletário n° 1, na Gávea, onde hoje se encontra o estacionamento da PUC. Esses, depois, passaram a morar no conjunto habitacional Minhocão, de Affonso Eduardo Reidy. Outra parte dos moradores foi transferida para o Parque Proletário n° 3, junto à Praia do Pinto, vindo a ter uma pior sorte.

A favela da Ilha das Dragas já era ocupada desde a década de 1950, mas foi removida em 1969. Seus moradores foram transferidos para a Cidade de Deus e para a Baixada. O terreno onde existiu a favela desapareceu, mas o Clube Caiçaras cresceu…

A favela da Praia do Pinto abrigava uma população de 15 mil pessoas no momento em que desapareceu. Os planos para sua remoção já estavam em curso, quando ocorreu um incêndio de origem suspeita, em maio de 1969. Os barracos arderam como prédios em Gaza, o que apressou a sua remoção. Tal incêndio ocorreu um dia após o DOPS ter prendido as principais lideranças do local. Os moradores foram transferidos para conjuntos habitacionais em locais distantes de onde viviam, como Cordovil e a Cidade de Deus, assim como para abrigos da Fundação Leão XIII, órgão estatal que cuidava de desabrigados. Apenas uma parte dos moradores da Praia do Pinto conseguiu permanecer no Leblon, graças à iniciativa de Dom Helder Câmara de edificar a Cruzada São Sebastião.

Todas essas remoções foram acompanhadas de aterros da Lagoa Rodrigo de Freitas e de áreas pantanosas no seu entorno, gerando terrenos que foram entregues a clubes recreativos que lá estão até hoje. Muito antes disso tudo, foi no alto Leblon que existiu, no final do século XIX, o chamado Quilombo do Leblon, uma chácara produtora de flores que abrigava escravizados fugidos. Se no presente o bairro é chic, no passado foi uma área bastante popular. Mas quem quer lembrar?

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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8 COMENTÁRIOS

  1. Na verdade quem mancha não só as nossas cidades mas o Brasil como um todo é esse capitalismo selvagem comandada por essa tropa de covardes que são os politicos. Se esses bando de porcos corruptos, que só pensam no próprio umbigo, dessem atenção a educação e a saúde pública garanto que a pobreza no Brasil seria bem menor.

  2. Graças a Deus removeram…conheci todas…a lagoa seria uma poça a essa altura!!
    E não foi “ocupação “,como se tivesse sido legal…era uma INVASÃO!!!Além disso a única q era “relativamente grande”( nem perto das invasões de agora),era a da praia do Pinto…qto ao incêndio ,não é preciso fazer muito malabarismo mental!!!Eram barracos de madeira!!

  3. Ainda bem que removeram essas favelas.
    Infelizmente, ainda há a tal “Cruzada São Sebastião”, que mancha o Leblon e Jardim de Alah. Espero que à removam, também, pois a vizinhança é bem perigosa.
    O Rio de Janeiro precisa de um novo Carlos Lacerda.

  4. Parabéns pelo Artigo Roberto Anderson você é um excelente profissional. Graças a Deus tive a oportunidade de conhecer você pessoalmente e também ter trabalhado com você. Desejo Sucesso em sua jornada profissional

  5. Eu acho lamentável que essas favelas tenham sido removidas. Um absurdo! Removeram pessoas humildes e permitiram que bandidos tomassem posse do lugar. São bandidos-advogados, bandidos-médicos, bandidos-engenheiros e, claro, não poderiam faltar os abjetos bandidos-empresários que exploram a massa trabalhadora, esses capitalistas opressores. Fechando a conta é preciso mencionar a grande quantidade de traficantes que moram nas Avenidas Vieira Souto e Delfim Moreira!
    É revoltante!
    As favelas deveriam ter se expandido em torno da lagoa inteira invadindo até o jardim botânico, esse espaço de confraternização da burguesia fedida da Zona Sul! Hoje o Leblon é feio, gente mal-educada por todo lado, arrogante, uma constante movimentação policial estourando bocas-de-fumo em prédios luxuosos e comandados por playboys filhos de papai!
    Defintivamente o Leblon se tornou um lugar asqueroso e intragável!

    • Boa tarde Marcello.
      Eu acho que você deverei trabalhar na secretaria de urbanismo da prefeitura ou do estado do Rio de Janeiro para organizar melhor as comunidades e não deixar as construções ilegais tomem conta da nossa cidade.

    • Deve ser fazuelli por que gosta da pobreza e deseja que ela se espraie. Amigo, torça pelo melhor para as pessoas. Se as pessoas querem pagar somas de 8 digitos para morar no Leblon, comemore. Empregos para muita gente que precisa é gerado com isso. Favela não gera isso não, macho.

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