O porteiro é uma instituição nos bairros de classe média brasileira. Não ter porteiro é sinal de prédio sem prestígio, desvalorizado, de moradores self-service. Quem lhes dará bom dia? Quem ajudará a abrir a porta do elevador quando o morador estiver cheio de compras? Quem avisará que vai faltar água? Quem, afinal, fará aquela triagem dos que podem passar, segundo regras não escritas, mas bem aprendidas na nossa dividida sociedade?
Um dia, o porteiro talvez desapareça, ou fique restrito a prédios de áreas muito exclusivas das nossas cidades. Mas até lá, ele seguirá sendo a alma dos condomínios. O porteiro é nordestino? Há uma boa chance de que seja. O porteiro mora bem? O mais provável é que passe por perrengues na sua moradia. Mas, ao chegar ao trabalho, ao transpor a portaria e deixar no vestiário a bermuda e o chinelo, o uniforme lhe dá distinção e autoridade. Autoridade essa que só com o tempo ele saberá exercer plenamente. O bom porteiro é de meia-idade.
O porteiro é querido, e criou um abaixo-assinado que apresenta a cada morador. Pede a adesão à sua reivindicação de galgar o posto de porteiro-chefe. Os moradores assinam, mesmo sem convicção. Quem haverá de contrariar o querido José? À tarde, a senhora do 504 lhe leva um prato com o empadão de frango que preparou para o marido. E no Natal todos assinarão o seu livro de contribuições.
O porteiro-chefe tem regalias. Ele mora num pequeno apartamento no prédio em que trabalha. Seu CEP agora é o mesmo dos inquilinos e proprietários. Ele assume os ares da chefia e se coloca à disposição para receber reclamações sobre o mau serviço dos outros. O porteiro-chefe até já tem um pet. Quando está de folga, passeia seu totó pelas áreas livres do condomínio, para que ele brinque com os totós dos demais moradores.
O porteiro se interessou recentemente pela bíblia. Agora passa os dias com a cara enfiada no livro. Lê e relê cada frase, buscando entender o seu oculto significado. À sua frente, o monitor mostra as imagens de várias câmeras do prédio. Mas ele só tem olhos para o Velho Testamento. Se não se livrar do transe espiritual, já, já será demitido.
O prédio tem uma mulher porteira. É uma condição diferente da de mulher de porteiro, a que se está acostumado. Ela é atenciosa e os moradores já se habituaram. Mas o porteiro da noite faz intrigas. Diz que ela só está ali por ser a antiga empregada da síndica e que não entende nada dos sistemas de água, gás e luz do edifício.
O novo porteiro é um estudante de cursinho pré-vestibular. Perdeu tempo por ter se dedicado à família e ao trabalho, mas, recentemente, concluiu o segundo grau e agora se prepara para o Enem. É focado, sabe que não pode perder mais tempo e por isso leva cadernos e livros para a mesa da portaria. Ao contrário dos porteiros vizinhos, não fica de conversinhas na rua, comentando a vida dos moradores. Os porteiros compartilham entre si o que sabem: quem trai quem, que casais brigam no corredor, quem dá uns pegas no elevador, quem deve o condomínio, e quem passa pela portaria sem cumprimentar. Do novo porteiro, dizem que é metido.
O porteiro mais velho é solícito às demandas do síndico. Sabe que ele está querendo acertar e que, sem a sua ajuda, nada dará certo. O porteiro auxiliar é ciumento. Acredita que a ajuda ao jovem síndico logo trará perdas de vantagens e de momentos de escondido descanso. O porteiro auxiliar implica com o mais velho até que este reage e lhe chama a atenção.
Ah, que dia aziago. O porteiro auxiliar está meio perturbado e encontra pela frente uma barra de ferro. Com ela dá uma pancada na cabeça do velho, que já cai morto no chão de mármore da portaria. Percebendo a gravidade da situação, corre para o elevador, toca no botão do último andar e, ao chegar, aperta uma campainha qualquer. Abre-se a porta, e ele corre até a janela e de lá se atira.
O jovem síndico, ao voltar do cinema, encontra polícia, bombeiros e rabecão na sua portaria. Um drama rodriguiano e o fim da sua vontade de dar jeito naquele edifício.
A calçada em frente à portaria é gradeada. A maioria dos prédios da rua são assim. De tarde, quando o entra e sai de moradores é mais calmo, dá para puxar uma cadeira e se sentar junto à grade que o separa do edifício vizinho. O porteiro de lá faz o mesmo e se estabelece uma conversa que ajuda a hora a passar. Quem de fora os vê, os imagina presidiários. Enjaulados, mas contentes.
O condomínio está caro, os moradores estão apertados, as obras de manutenção estão adiadas e o uniforme do porteiro está gasto. Não há previsão de verba para um novo, mas o trabalho do porteiro está garantido. Sem ele, os moradores fariam uma revolução. Seu Pedro continua no posto.