Desde há muito tempo nos acostumamos com a fama de cidade esburacada do Rio de Janeiro. Era forte nos anos 1960, rivalizando com a falta d’água e a falta de energia, e continua já que vem sendo reafirmada pelos atuais gestores. A Prefeitura não nega sua existência e até realiza, esporadicamente, as famosas operações “tapa-buracos”. Nas ruas há desnivelamentos, muitos buracos, remendos e calombos. Como foi que chegamos a isto? Imperícia? Desleixo?
É curioso notar que os raros trechos de vias com calçamentos originais em paralelepípedos da cidade, ou, os mais raros ainda, com calçamentos pé-de-moleque, apresentam relativa boa qualidade, com poucos desníveis. Na verdade, embaixo das muitas camadas de asfalto de nossas ruas há um mar de ruas calçadas em paralelepípedos. E há trilhos do sistema de bondes, tristemente assassinado pelo amor aos automóveis. Boa parte de nossas ruas asfaltadas foram feitas sobre outras camadas de pavimentação, numa espécie de palimpsesto urbano.
Isto significa que não houve a execução de um projeto específico de rua pavimentada em asfalto que, como uma rodovia bem executada, exige compactação do solo, camadas de brita, caimento adequado, sarjetas e meio fio. Além disso, na maioria dos casos, falta um item fundamental: o asfalto de boa qualidade. Sim, não basta qualquer asfalto, é necessário um com a plasticidade correta e a mistura certa com a brita. Asfalto muito plástico deforma com facilidade em dias quentes e sob freadas de veículos, especialmente de ônibus e caminhões. Mas o asfalto de boa qualidade custa caro, então já sabe…
O asfalto mal executado sofre com a ação do tempo, trinca com as mudanças de temperatura. Quando chove ele se desfaz, gerando buracos. Prefeitos não querendo refazer os serviços mal feitos, fazem remendos, recobrem as vias com camadas sucessivas de asfalto, engolindo os meios-fios. Com o tempo, algumas de nossas ruas se parecem com cidades arqueológicas, em que as soleiras das casas foram engolidas por calçadas e ruas que subiram de nível.
E o que dizer de nossas calçadas? A legislação atual impõe aos proprietários dos imóveis fronteiriços o cuidado com as mesmas. É uma visão curiosa do espaço público, em que o poder público se encarrega das pistas dedicadas aos automóveis, até arrecadando imposto via IPVA, mas se eximindo de cuidar das vias dos pedestres. Talvez seja um reflexo do rodoviarismo de décadas passadas e da proeminência do automóvel na cidade. Teoricamente o poder público fiscalizaria a boa manutenção das calçadas, mas não é o que se vê.
O resultado é uma sucessão de padrões de pavimentação de calçadas, com diferentes materiais, cores e durabilidade, que às vezes pode até ser charmoso. Mas aquele calceteiro que faz o reparo por uns trocados, ou o próprio morador esforçado, não conseguem resolver problemas complexos, como raízes de árvores que insistem em aflorar, a declividade correta para o escoamento das águas pluviais e a aderência do piso em dias de chuva. Tombos, torções de pés e tornozelos, saltos quebrados e acidentes graves são consequências dessa situação.
Mas há calçadas e áreas para pedestres em que a Prefeitura se encarrega de pavimentar e manter. Alguém disse manter? Bom, não é bem o caso. Nas ruas de pedestres que foram uma febre nos anos 1970 e 80 a Prefeitura do Rio usou pedras portuguesas, mas se esqueceu de que havia edifícios garagem, bancos e lojas necessitando receber mercadorias. O contínuo trânsito de veículos pesados destruiu esses calçamentos, gerando um espaço muito maltratado. Por fim, na década de 1990, a prefeitura desfez a maioria desses calçadões, criando as ruas de serviço. Essas foram pavimentadas em paralelepípedo, mas tão mal executadas, com espaços tão grandes entre eles, que hoje já estão bem precárias.
Mais ou menos nessa época surgiu também a moda, até hoje muito comum, da pavimentação com granito serrado. É bonito, gera um pavimento liso, nivelado, com as tonalidades da pedra utilizada. Mas a sua utilização requer cuidados. Em geral se repete o mesmo problema dos antigos calçadões em pedras portuguesas: a desconsideração do tráfego de veículos. Não adianta achar que a legislação proíbe a entrada de veículos em áreas de pedestres. Não proíbe a entrada dos carros de polícia, dos food-trucks, e de qualquer outro veículo fora do horário policiado.
Como essa pavimentação é feita desconsiderando esses fatores, e por que é mais barato não fazer as sub-bases necessárias, em pouco tempo está tudo cisalhado, quebrado. É triste ver o uso perdulário da pedra, um material não renovável. Pedreiras se esgotam e não há mais como obter aquele tipo de pedra. Pedreiras são também muito poluentes e sua exploração significa uma intervenção brutal na paisagem. As pedras, resultado de formações milenares, deveriam ser olhadas como um bem precioso, cuidadas para não se partirem por mau uso e má instalação. E usadas com parcimônia.
Estas não são questões sem importância. Espaços públicos bem cuidados são propiciadores de uma vida pública mais ativa, gerando mais encontros e mais alegria na fruição da cidade.
Sr. Roberto.
Sugiro vir conhecer a Zona Oeste dos pobres, Não Barra ou Recreio, mas Realengo a Santa Cruz. Aqui não há buracos na via, mas pedaços de asfalto e calçada em crateras.
Nossa área da cidade só existe pra prefeitura nas eleições.
Caso fosse possível, deixaria a Zona Sul e Barra pra lá e faria uma nova cidade.
As ciclovias estão cheias de buracos, algumas verdadeiras crateras, depois que chove, só aumentam, quando fazem de recuperar é com material inapropriado, mais rígido, às vezes tendo declives, como vemos na orla carioca até o centro da cidade. Esses dias passando pela enseada de Botafogo tive que descer da bicicleta porque uma cratera se estende de um lado ao outro tendo que passar pela grama.