Roberto Anderson: Os 20 centavos

O colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre os impactos das manifestações de 2013

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Foto: Roberto Anderson

Neste mês de junho, além do Dia Mundial do Meio Ambiente, somos levados a nos debruçar sobre o legado das Manifestações de Junho de 2013, passados agora dez anos. Quem lá esteve (foram muitíssimos os brasileiros que participaram), e se esteve desde as primeiras manifestações, terá testemunhado o seu impressionante crescimento e a sua transformação de maneiras inesperadas.

Teve início como uma ação liderada pelo Movimento Passe Livre (MPL), contra o aumento das passagens dos ônibus e a favor da tese do subsídio ao transporte público, e mesmo da sua gratuidade. A adesão às manifestações desse grupo, majoritariamente jovem, vinha em fogo brando, até ocorrer uma repressão violenta da polícia paulista. Daí para a frente foi como um rastilho de pólvora.

Cresceram exponencialmente as manifestações, surgiram os grupos de autodefesa, os chamados black blocs, surgiram os líderes oportunistas que, ao fim das manifestações, as direcionavam para o enfrentamento com a polícia e a tentativa de ocupação de representações do poder, e surgiram os provocadores atacando bancos e pichando as cidades.

E mesmo assim, a movimentação cresceu de forma surpreendente, incorporando diversas outras pautas, entre elas a maior participação nas decisões sobre o país, melhores serviços, e o combate à corrupção. Viu-se crescer uma recusa à política constituída e aos partidos, e uma vontade de mudança generalizada. Foi possível perceber também uma maior presença de provocadores e a ingenuidade de neófitos em manifestações, que os seguiram. Houve mais repressão policial, respostas insuficientes do governo, inclusive com a posterior adoção de medidas antiterrorismo, e a manipulação do descontentamento das ruas por parte de uma direita radical que, até então, andava em baixa e subterrânea.  

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As jornadas de 2013 se estenderam ainda a 2014, na forma dos protestos “Não Vai Ter Copa”, igualmente reprimidas. Nacionalmente, a ressaca dessa ebulição multipropósitos levou à reocupação das ruas pela direita, agora reorganizada, ao impeachment da presidente Dilma, à vitória de Bolsonaro, à consequente destruição das políticas de proteção ao meio ambiente, à ciência e ao trabalhador, enfim, a um retrocesso generalizado.

A atual composição do Congresso Nacional, o mais retrógrado e mais conservador já eleito após a redemocratização, é o mais recente resultado (esperemos que o último) do empoderamento da extrema-direita e das forças conservadoras da política brasileira. 

Mas é preciso também verificar como avançaram as pautas originais do MPL. Logo após as manifestações, houve um congelamento geral dos aumentos então previstos para as tarifas de transporte público nas principais cidades brasileiras. Mas, houve também um crescimento da percepção, por parte do poder público, da inevitabilidade do subsídio ao transporte público urbano. E surgiram algumas experiências de transporte público gratuito, como o de Maricá.

Segundo o Mapa da Desigualdade 2020, da Casa Fluminense, nas áreas periféricas do Estado do Rio de Janeiro, mais de um terço da renda das famílias é gasto com transporte público. Portanto, reduzir o valor dessas tarifas, ou zerá-las, tem um impacto significativo na renda das pessoas. 

No Rio de Janeiro, desde o ano passado, a Prefeitura vem subsidiando as empresas de ônibus com o valor de R$ 1,78 por quilômetro rodado, além da receita tarifária. Já o transporte intermunicipal metropolitano do Rio vem sendo subsidiado desde 2010, num total atual de R$ 158 milhões/ano destinado às integrações com o uso do bilhete único. 

O ônibus gratuito de Maricá, um município com 161 mil habitantes, teve início em 2015, inicialmente com dez ônibus que atravessavam a cidade. Depois, se expandiu, atendendo toda a cidade, 24 horas por dia, inclusive nos fins de semana. A Prefeitura criou também uma empresa para gerenciar o sistema, que hoje conta com 120 veículos, e 3,5 milhões de passageiros por mês, a um custo mensal de R$ 10 a 12 milhões.

Atualmente já haveria 67 cidades brasileiras com políticas de tarifa zero em todos os seus sistemas de transporte, durante toda a semana. Entre elas estão os municípios de Caucaia (CE), Paranaguá (PR), Formosa (GO) e Itapeva (SP), todas tendo dado início a seus programas no ano de 2021. Também fora do Brasil avança essa política. Cidades, como Luxemburgo, Tallinn (Estônia) e Dunquerque (França), Kansas City (EUA) e Olympia (EUA) adotaram o modelo, perfazendo, aproximadamente, 100 cidades ao redor do mundo. 

As experiências de tarifa zero nos transportes nos levam a acreditar que, pouco a pouco, a mobilidade venha a ser vista como um direito básico, como a saúde e a educação. Mas, é importante que tal direito seja satisfeito com oferta de transporte de qualidade. Quando até o prefeito de São Paulo, um político de centro-direita, diz querer implantar a gratuidade do transporte público naquela cidade, parece haver um avanço das teses iniciais do movimento de junho de 2013. Não foi só pelos vinte centavos e, aparentemente, nem tudo se perdeu.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Jornadas de Junho foram a nossa Primavera Árabe e outras “Revoluções Coloridas” ativadas no mundo, derrubando seus governos.

    Pena não estarmos atentos a isso na época.

    Hoje vivem sob uma Guerra Híbrida, com modos de deflagração indireto ou por procuração.

    Em 2059 lamentaremos não entender esse cenário hoje.

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