Roberto Anderson: Por aí por Cuba

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Em Cuba, o Brasil é muito lembrado como o país do carnaval e das novelas. Há sempre uma delas passando na TV local. A do momento é “Um lugar ao Sol”, com Cauã Reymond. Nosso país é visto como um aliado e Lula é elogiado até por cubanos que criticam o governo local. Mas, ele é questionado por militantes mais fervorosos sobre o não apoio à suposta vitória de Maduro. Já Bolsonaro, é uma unanimidade negativa.

Como país insular, Cuba tem uma cultura única e cativante. Sendo um país relativamente pequeno, mas muito diverso, percorrê-lo é entrar em contato com uma história construída por indígenas, colonizadores espanhóis, franceses e americanos, piratas, ditadores, guerrilheiros revolucionários, consultores soviéticos e invasores a serviço do imperialismo americano. O povo cubano a tudo resiste.

Há ônibus cujas passagens somente podem ser pagas em dólares ou euros. Neles, viajam os turistas e os cubanos que têm condições de pagar. É requerido um check-in presencial de, pelo menos, uma hora de antecedência, ou o lugar no ônibus é redistribuído.

Esse rigor desaparece na estrada, quando o motorista faz diversas paradas aleatórias. Ele pode parar para deixar galões de combustível numa casa, ou comprar coisas que, talvez, sejam revendidas, como sacos com dezenas de biscoitos. Os passageiros não reclamam. É difícil encontrar ônibus direto entre locais mais distantes. Geralmente, são paradores.

As estradas são relativamente vazias, e os veículos passam em velocidades não muito altas. É curioso ver um carro de décadas atrás galhardamente viajando entre cidades. Os caminhões não podem ser altos, já que os viadutos que cruzam as estradas foram construídos com baixas alturas. Alguns desses caminhões, e mesmo alguns ônibus, que fazem trajetos mais regionais, têm carrocerias quase artesanais, produtos da carência e da inventividade.

Em estradas locais, é possível encontrar uma sucessão de pequenas placas de concreto com slogans revolucionários nas bordas: Si, se puede; Nuestra tarea: produzir, produzir y produzir; Reconstruir la industria de azúcar! A tinta gasta denota que eles não têm sido renovados.

A Revolução tem conquistas duráveis e o embargo provoca dificuldades terríveis. Mesmo em pequenos povoados do interior não se vê moradias precárias. As pessoas moram em casas e conjuntos habitacionais, construídos segundo modelos de pré-fabricação em concreto. Todos com a pintura um pouco gasta. Nas áreas cultivadas, vê-se, com frequência, o uso do arado puxado por junta de bois.

Nas cidades cubanas, de quando em vez, se escuta pregões cantados de vendedores que passam a pé ou de bicicleta oferecendo pão, biscoitos, e outros produtos. É comum também o vendedor de frutas. Em carrocinhas, ou com umas pencas de bananas nas mãos. Este é o caso de um professor de geografia, que dá aulas à noite e vende bananas de dia. Membro do Partido Comunista de Cuba, mostra-se um defensor da Revolução, mesmo admitindo os problemas econômicos do país. Segundo ele, com Fidel, isso não estaria acontecendo.

Varadero é destino de quem quer conhecer uma praia de lindo mar azul turquesa do Caribe. Estabelecida sobre uma restinga, a cidade é limpa e organizada, mas sem maiores atrativos do que a praia. Recebe um forte fluxo de turistas russos, e as placas indicativas das atrações estão também em russo. Não se vê cubanos na praia, ocupados em ganhar a vida servindo os turistas.

Trinidad é uma bela cidade colonial de 511 anos, com ruas calçadas em pedras irregulares, lembrando as cidades do ciclo do ouro no Brasil. A musicalidade e sensualidade cubanas estão presentes no ensaio conduzido por professoras numa praça da cidade. Os meninos tocam instrumentos de percussão, alguns desses são apenas uns galões de plástico, e dão o ritmo do evento. A cada compasso, as meninas dão uma mexida com as cadeiras, uma boa rebolada. O ensaio é para uma parada cívica e, de tempos em tempos, elas gritam uma frase de louvor ao líder da independência Jose Marti.

Anoitece com apagão programado em Trinidad, como em diversas outras cidades do país. A população já sabe o horário sem luz de cada dia. Apenas os restaurantes da área histórica têm energia de geradores para atender à clientela. Sem luz, a cidade fica menos alegre e mais silenciosa. As pessoas recolhem-se às suas casas. No final, a luz volta antes do previsto e a cidade retoma a vivacidade característica de suas noites, ao som da boa salsa.

Santa Clara é uma cidade fundada por habitantes do litoral, que fugiram dos constantes ataques de piratas na costa. Com relação à arquitetura, o interesse é a sua praça central, cercada de belos edifícios, e seus arredores. Polo industrial e universitário, em meio a uma área de produção agrícola, aí se vê uma classe média mais forte, que frequenta restaurantes, e parece sentir menos o peso dos atuais problemas econômicos do país.

Santa Clara tem uma forte ligação com Che Guevara. Foi a brigada comandada por ele quem a conquistou durante o processo revolucionário. Alguns senhores, que vivenciaram o processo revolucionário, fazem o trabalho de guias junto ao monumento à vitória do Che em Santa Clara. Lá, vagões de trem e peças de artilharia são expostos. Os guias falam com entusiasmo das estratégias empregadas pelo Che e seus soldados para, com apenas 19 combatentes, e usando coquetéis molotov, vencerem quatrocentos soldados bem armados, que viajavam em um trem de vagões blindados. Romantismo puro.

Em outro local da cidade, um mausoléu e um monumento foram erigidos para receber os restos mortais do Che e dos combatentes que com ele caíram na Bolívia.

Em Havana, o Paseo del Prado é um belo boulevard entre a cidade velha e a área mais central. Pavimentado com desenhos geométricos, é delimitado por bancos de mármore trabalhado e belos vasos, esculturas e postes de ferro fundido. Ali, sob as árvores, se concentra a garotada moradora dos apartamentos subdivididos dos lindos prédios deteriorados da vizinhança. Crianças andam de patins ou de skates, os adolescentes escutam música e, no meio disso tudo, de vez em quando, mulheres passam oferecendo seus serviços sexuais. À noite, é possível ver casais dançando tangos, valsas, salsas e outros ritmos. A pouca luz e o chão liso formam o ambiente perfeito para o baile.

Em ruas mais movimentadas de Havana, se sente o cheiro forte de combustível queimado pelos carros antigos e pouco econômicos. Esses, por não serem em grande número, deixam espaço para os pedestres nas ruas mais locais. Nelas, as pessoas podem desfrutar do saudável hábito de caminhar pela rua, sem estarem restritas às calçadas.

Em Cuba não se vê a miséria presente nos demais países das Américas. Mas, há uma crise econômica que vem trazendo descontentamento. Senhoras reclamam dos preços e baixam a voz para criticar o governo. O sonho americano e o desejo de emigrar são constantes entre os mais jovens. Escuta-se música cubana e latina, mas nessa batalha cultural a Revolução tem perdido terreno. Procure algum cubano vestindo roupas com alusão a Cuba. Não se vê. Também não há pessoas usando camisas com a estampa do Che. Há sim uma profusão de expressões e frases em inglês nas roupas. E camisetas de times americanos. Repare, ali vai uma menina que passa usando um boné do Trump…

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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