Roberto Anderson: Precisa privatizar?

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O Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município do Rio n° 22/2023, do Vereador Pedro Duarte, do Partido Novo, muito coerentemente com as diretrizes privatistas daquele partido, propõe que seja permitida a concessão ou cessão à iniciativa privada de parques e praças da cidade. Assim, seria levantado um obstáculo legal que veio à baila quando ocorreu a concessão do Jardim de Alah. É bom reparar que o texto do projeto de lei se refere também à cessão, ou seja, a entrega da propriedade, mesmo que por tempo limitado. Há toda uma corrente de pensamento (ou será de interesses?) favorável à concessão de bens públicos à iniciativa privada, como se o poder público fosse incapaz de geri-los. Agora se chegou ao paroxismo de tentar permitir a privatização de todo o litoral do país!

Em vários estados avançam propostas de entregar a gestão de escolas públicas à iniciativa privada. No Paraná, a proposta é que escolas privadas gerenciem escolas públicas. O evidente conflito de interesses, e o risco de se afundar ainda mais o ensino público para acabar com a concorrência, sequer é lembrado. Em São Paulo, 33 novas escolas serão gerenciadas por 25 anos por parcerias público-privadas. Em Minas Gerais, não só a administração, como a parte pedagógica de três escolas públicas foi entregue a uma entidade privada sem fins lucrativos.

Nos Estados Unidos, nessa área de educação, dois modelos de privatização se destacam. Um é a concessão de bolsas (vouchers) para que alunos possam pagar as mensalidades das escolas privadas, algo semelhante ao Prouni. No outro, chamado de escolas charters, o poder público financia escolas privadas. No entanto, o relatório Escolas Charters e Vouchers, produzido em parceria pelas organizações Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e) e Todos pela Educação, concluiu que, apesar de alguns ganhos individuais, o impacto do modelo na aprendizagem geral foi baixo ou nulo.

No Rio há casos já centenários de concessão à iniciativa privada, como o Pão de Açúcar e o bondinho do Corcovado. Aparentemente, são casos de sucesso, apesar dos preços para acesso àqueles pontos turísticos serem inacessíveis ao carioca de baixa renda. Já a concessão do Jardim de Alah vem gerando diversos atritos com a vizinhança local. Os excessos do projeto, com intervenções arquitetônicas no parque, têm anulado os possíveis benefícios propostos.

A Prefeitura do Rio, já há muitos anos, conta com um sistema de apadrinhamento de áreas públicas, especialmente praças e parques, em que particulares ou empresas adotam essas áreas. Em troca de poder exibir seu nome ou marca, o adotante se responsabiliza por várias tarefas que seriam do poder público. Um caso bem-sucedido é a adoção das dunas vegetadas de Ipanema, onde a vegetação de restinga já havia quase desaparecido e foi replantada. Nesses casos a ingerência particular é menor.

Mais recentemente, houve a concessão do Parque da Catacumba, e não há registros de maiores reclamações. No entanto, a memória é curta e devemos relembrar que até recentemente hospitais e UPAs do estado do Rio de Janeiro estavam cedidos a Organizações Sociais, as OS, que geraram ineficiência e denúncias de corrupção. As unidades estaduais foram totalmente reassumidas pelo Estado em 2020. Na Cidade do Rio de Janeiro, apesar da promessa do prefeito em reduzir as concessões a OS, em função de vários problemas também ocorridos, na verdade elas aumentaram.

Outro exemplo malsucedido foi a concessão do Porto Maravilha. O consórcio de empresas que executou a maioria das obras seria responsável pela limpeza, iluminação e outros serviços tradicionalmente públicos. Mas a queda de receitas da Caixa Econômica com a venda dos Certificados de Potencial Construtivo, por falta de demanda para construir, levou ao não pagamento pelos serviços e à sua posterior reestatização.

Não é possível seguir com essa lenda de que a iniciativa privada faz melhor porque não é bem assim. Na maioria das vezes, o poder público, capturado por interesses privados, deixa a administração e a conservação desses bens públicos se deteriorar para então convocar a iniciativa privada salvadora. Esse é o caso do Jardim de Alah. O parque, que já vinha sendo malcuidado, foi usado como canteiro de obras do metrô e como área de guarda de caminhões da Comlurb. Finda a obra, não houve recuperação. Até os pisos dos banheiros usados no canteiro de obras foram deixados no local. Ninguém se responsabilizou pela recuperação da área e a prefeitura encontrou uma ótima justificativa para a concessão à iniciativa privada.

Ainda no Rio de Janeiro, a Fundação Parques e Jardins, que outrora cuidou de todas as praças e parques da cidade, foi sendo amputada de suas funções. Atualmente, o cuidado com as praças é com a Comlurb. A poda de árvores urbanas, idem. O cuidado com os parques é com a Secretaria de Meio Ambiente. E os jardineiros da Fundação há muito passaram da idade da aposentadoria, sem novos concursos e contratações à vista. Aí fica parecendo plausível privatizar parques e praças. Mas não deveria ser.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

7 COMENTÁRIOS

  1. A iniciativa privada pode não ser a panaceia, mas a questão é que se o Estado fizesse melhor, essa discussão não existiria, porque pensar em conceder/privatizar só ocorre quando o ente governamental se vê sem condições de garantir gestão adequada.
    Aliás, amor desmedido pelo Estado é típico de quem se encontra em duas situações: os que não conhecem seu funcionamento por dentro e os que estão encastelados ou tem laços de amizade ou parentesco em com pessoas em cargos muito bem remunerados, com penduricalhos dignos de um nababo. Exemplo: catedráticos cheios de teorias desenvolvimentistas ganhando 30 paus por mês, ou mais até e servindo de referência na mídia para ideias de um projeto de país passe pela defesa do Estado paquidérmico em que vivemos como ente iluminado, quando na realidade estão legislando em causa própria, defendendo seus próprios privilégios.
    E quanto à Heritage Foundation, quem diz que ela não é relevante só o faz porque ela dissemina ideias com as quais não concorda. Eu não desconsidero a produção da Fundação Perseu Abramo, do PT, só porque não gosto do partido, por exemplo.

  2. Tem que privatizar SIM, pois a maioria das nossas praças transformaram-se em moradias para mendigos e/ou banheiros públicos a céu aberto, inclusive, na última vez que estive no Jardim de Alá, estava cheio de moradores de rua no local. E, uma das praças que frequento sempre, só recebem alguma atenção do poder público perto das eleições de vereadores e prefeitos, pois como fica escondida dentro de um enorme condomínio, tem uma frequência grande de moradores/eleitores, daí o interesse das excelências, mas passam sempre, pelo menos, 3 anos no abandono entre as eleições.

  3. Perfeito o comentário acima de Flávio Santos.
    O Jardim de Alah é composto por 3 praças, uma foi detonada pelo metrô mas as outras duas não estão muito melhor, sendo somente usadas por cães e cracudos. Há muitas décadas, muitas mesmo, que são está vergonha.

    A concessão não é ideal para ninguém, não há como atender todos os desejos de todos os indivíduos, mas atende ao desejo da sociedade, de revitalizar ou seja levar vida/pessoas ao parque
    É um projeto moderno e a parte comercial que tantos incomoda, mas é necessária para financiar o investimento e manutenção, estará “escondida” abaixo do parque.
    Chega de atraso e apego aos privilégios e medos de uma minoria.

    PS. Boa parte da tal associação de moradores do Jardim de Alah, não é moradora das imediações do parque!

  4. Temos um exemplo vívido, recente: a CEDAE.

    Empresa pública, com muita experiência na atividade fim, quadro de funcionários qualificado – e apesar de não ser o propósito da empresa -, sempre apresentando lucros.

    Após privatizada, sob a lógica do lucro, as tarifas aumentaram absurdamente enquanto a qualidade do serviço teve queda expressiva. No meu bairro a falta d’água se tornou frequente. Enquanto que na gestão pública só tinha paralisação uma vez ao ano para manutenção.

    Sem contar os 1 BILHÃO da venda que o governador usou para se eleger e nada ofereceu para o carioca.

    Toda atividade estratégica e essencial não pode ser conduzida pela logica do lucro e dividendos. DEVE ter a qualidade técnica e gestão pública.

    • CEDAE dando lucro? Sei…Você não deve saber da quantidade de processos que a CEDAE estava perdendo na justiça por , literalmente, roubar os consumidores, cobrando esgoto em lugares que não tinha esgoto e cobrando MUITO mais do que era consumido por adotar uma política de preço mínimo. Isso, para não falarmos do absurdo cabide de empregos que era a estatal, pois quando fazia um conserto na rua havia uma multidão de empregados olhando e 2 ou 3 trabalhando de fato. Agora, usar mal o dinheiro da venda, vou concordar com vc, pois o problema não é privatizar, mas FISCALIZAR o dinheiro arrecadado e o serviço privatizado.

  5. O professor Roberto Anderson, muito coerentemente com os cacoetes estatistas reinantes nas universidades brasileiras, gosta de satanizar a palavra privatização. Fica parecendo que o Brasil é o país do livre mercado, do capitalismo selvagem. Não é. Segundo o índice anual do Heritage Foundation, a Jamaica, a Albânia, a Mongólia, o Paraguai, a Nicarágua, o Gabão e as Ilhas Tonga, só para ficar em alguns exemplos humilhantes, têm mais liberdade econômica que o Brasil. Fujam para os montes, diria o evangelista, pois os privatistas estão chegando! Quem me dera! É claro que a prefeitura pode despejar milhões dos impostos arrancados dos “contribuintes”, não para prioridades, mas para fazer um jardim digno do nome de Alá e do coração da zona sul carioca. Veja, é sintomático que a simples privatização de um jardim desperte discussões sobre supostos interesses ocultos, coisa e tal. Para cada caso de insucesso de privatização, existe uma centena de casos de “gestão” pública ineficiente, negligente e (super) corrupta. Sobre a educação brasileira, ora, ela está sob a responsabilidade do governo federal, estados e municípios. Entretanto, segundo o PISA, os alunos brasileiros sempre ocupam os últimos lugares naquele ranking, perdendo para países muito pobres e que investem bem menos que o Brasil, na relação gasto/PIB. Podem ficar tranquilos e parar de faniquitos, o Brasil não corre o menor risco de se tornar um ambiente econômico livre, propício para se montar uma barraquinha de cachorro-quente.

    • Rezou a missa certinho.

      Só perde pra realidade. Esse índice Heritage tem a mesma utilidade que uma churrasqueira no fundo do mar. Ninguém liga e leva a sério.

      Em tempo…Os EUA, o país que prega liberdade, está tentando banir o TikTok e colocando taxas absurdas sobre carros elétricos chineses para não afetar a Tesla.

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