Roberto Anderson: Qual o lugar do automóvel em nossas cidades?

O automóvel não precisará desaparecer, mas a necessidade de possuí-lo vem sendo relativizada

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp

Máquina cobiçada, que pouco a pouco foi ganhando mais e mais espaços na maioria das cidades do mundo, ela desalojou os pedestres para espaços residuais das ruas, as calçadas. Muitas vezes, estas se tornaram mais estreitas pelo alargamento das pistas, para dar passagem a uma frota que nunca parou de crescer. Não só as ruas se modificaram, mas também as edificações. Para acomodá-los, jardins se transformaram em garagens. Novos prédios foram construídos com vários pavimentos dedicados aos automóveis. Uma monstruosidade urbanística, que rouba janelas das baixas alturas, onde o pedestre poderia fazer contato visual com os moradores.

No Rio de Janeiro, a partir do ex-Governador Lacerda, cometeu-se o crime de extirpar uma ampla rede de trilhos para bondes, que cobriam a maior parte dos bairros, para dar mais espaços aos automóveis. E a partir daí, infindáveis recursos públicos, que poderiam ter sido aplicados em escolas e hospitais, foram direcionados para a construção de túneis e viadutos que prometiam o fim dos engarrafamentos. Era o período conhecido como rodoviarismo. Mal sabiam que quanto mais estruturas de trânsito são construídas, mais carros aparecem.

Até governos de esquerda recorreram a generosos incentivos fiscais à produção de automóveis, sem qualquer exigência de contrapartida de melhorias da eficiência dos mesmos do ponto de vista ambiental. É difícil mudar mentes que se formaram em momentos de ascensão do uso do automóvel.

No entanto, urbanistas e dirigentes municipais nas cidades mais inovadoras do mundo vêm agindo por uma “domesticação” dessa fera, reduzindo os espaços dedicados a ela. Calçadas voltaram a ser alargadas, ruas vêm sendo tornadas para uso exclusivo dos pedestres, estacionamentos nas vias públicas vêm sendo reduzidos e taxas vêm sendo instituídas para quem deseja circular de automóvel em áreas centrais. Em Paris, as pistas em torno de monumentos e de rótulas vêm sendo estreitadas para dar lugar a jardins e calçadas. Nova Iorque transformou Times Square em área de pedestres e alargou calçadas, assim como criou ciclovias em boa parte das avenidas da cidade. Londres taxa os automóveis que entram na sua área central.

O automóvel não precisará desaparecer, mas a necessidade de possuí-lo vem sendo relativizada. Em 2011 a região metropolitana de Paris foi a pioneira no lançamento de um serviço de carros elétricos compartilhados, o Autolib, no mesmo modelo das bicicletas compartilhadas, o Velolib. Inicialmente foram 300 veículos em 250 pontos, sendo 180 deles dentro daquela cidade. O objetivo seria alcançar um total de 3.000 veículos, disponíveis em 1.200 estações. Também a cidade de Berlim tem o seu sistema de carros elétricos para aluguel, o Flinkster.

As cidades brasileiras estão bastante atrasadas nesse processo. A parte da classe média com possibilidade de acesso à propriedade de um automóvel e as famílias mais ricas não querem saber de reduções nas benesses a esses seus entes queridos. E esses grupos têm um enorme poder de influência sobre as políticas públicas das cidades. No Rio, viadutos e túneis ainda são parte das obras prioritárias da Prefeitura.

Em 2011, no segundo mandato do atual prefeito, a Prefeitura do Rio de Janeiro abriu uma chamada pública no Diário Oficial para receber propostas de exploração de estações de carros elétricos compartilhados. No entanto, aparentemente não houve interessados, uma vez que o assunto não foi mais ventilado.

Agora uma novidade vem de Niterói, com o início de um sistema de aluguel de carros urbanos compartilhados naquela cidade. Não é um projeto de iniciativa do poder público, mas um projeto da locadora LocaLivre em sociedade com a startup Walli. São carros convencionais, ou seja, não elétricos, acessados por aplicativo, como as bicicletas do Itaú, por exemplo. O aluguel custa R$ 12,00 a hora acrescidos de R$ 0,95 por quilômetro rodado, estando incluídos o combustível e o seguro. Inicialmente são duas estações, mas a pretensão dos investidores é de ter mais. É uma iniciativa ainda tímida, mas interessante de ser acompanhada.

Também em Niterói está surgindo um serviço público e gratuito de bicicletas compartilhadas, da Prefeitura, o Nit Bike. A municipalidade investirá cerca de R$ 8,5 milhões por ano no sistema, que permitirá o uso sem custo por até uma hora. Tendo percebido que o sistema privado de bicicletas compartilhadas não se interessava por bairros populares, a Prefeitura instalará suas estações também nesses locais.

A revisão do espaço dedicado aos automóveis nas cidades também precisa ser feita entre nós. O caminho é uma maior oferta de meios de transporte público de qualidade, que promovam a preferência por eles, em detrimento do carro. A disponibilização de automóveis para aluguel nas ruas vem ajudar, tornando a sua propriedade um luxo desnecessário. Pouco a pouco talvez vejamos o espaço desses veículos em nossas cidades ser reduzido, dando espaço a uma maior convivência tranquila entre as pessoas.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp Roberto Anderson: Qual o lugar do automóvel em nossas cidades?
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

3 COMENTÁRIOS

  1. Moro no Parque Olimpico e trabalho em Botafogo. BRT na hora q preciso é inviável até o metrô. Só existe uma linha de ônibus que faz esse trajeto até a zona sul. Tenho estacionamento gratuito no meu trabalho. Adoraria ir trabalhar de metrô, mas nossa malha é um deboche.

  2. Muitos países europeus estão se livrando dos automóveis porque eles estão percebendo que eles não são tão importantes como as propagandas automobilísticas nos fazem crer.
    Procurem no YouTube por canais de norte-americanos e canadenses onde eles mostram o progresso de países europeus e o atraso norte-americano e canadenses nessas áreas.
    Canais no YouTube de norte-americanos e canadenses:
    “Not Just Bike”
    “City Beautiful”
    “Type Ashton”

    E muitos e muitos outros.

    • Só que por aqui o buraco é mais embaixo: o carro é um símbolo de prosperidade e bem viver, plantado no nosso imaginário há décadas. Em contrapartida, transporte coletivo é visto como algo relacionado às classes mais precarizadas, que não têm acesso a uma vida de conforte e requinte. Some-se a tudo isso, um presidente (que é uma importante liderança política) que repete insistentemente que o sonho dele é ver cada brasileiro podendo comprar seu carrinho e comer sua picanha (o que só vai dar mais dinheiro e poder aos barões do agro e aos bilionários donos da JBS). Com esse somatório de coisas, as perspectivas são as piores possíveis. Ouvi dizer que Albert Einstein certa vez disse: “não espere resultados diferentes se você faz sempre a mesma experiência, usando os mesmos métodos e as mesmas substâncias.” Não aprendemos NADA com ele.

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui