Neste momento, em que o mundo acompanha os funerais da rainha britânica, e a ascensão de um novo rei, vale a pena lembrar algumas cabeças coroadas que dão nomes a ruas do Rio de Janeiro. Mas, não só logradouros públicos as homenageiam. Num país que já teve um rei residente e dois imperadores, somos fissurados em realezas. Padarias, bares, botecos, galegos, oficinas e toda sorte de estabelecimentos cariocas trazem nomes reais.
A Avenida Rainha Elizabeth, em Ipanema, liga a praia de Copacabana à praia de Ipanema, um percurso realmente nobre. Ela conecta a princesinha do mar aos domínios da garota de Ipanema. Num passado nem tão distante esse encontro com a praia era marcado pelo Barril 1800, bar que ostentava um barril na fachada e a cauda de um avião da Varig na cobertura.
Não é uma via muito larga, com apenas três faixas de trânsito, e sentido único. Quase inteiramente reedificada, a avenida é ocupada por edifícios de épocas distintas, entre eles edifícios modernistas sobre pilotis, e edifícios daqueles que têm uma lâmina alta, longe dos pedestres, sobre embasamento para estacionamento. São exemplares do mal que a legislação que passou a exigir um grande número de vagas de automóveis pode fazer à cidade.
No entanto, essa não é a nossa Elizabeth, a mais longeva rainha no seu posto. Na verdade, a rua homenageia a Elizabeth da Bélgica que, com o seu esposo, o Rei Alberto I, visitou o Brasil em 1920. E que aqui não ganhou nome de rua. Dessa visita ficou a escada de 117 degraus talhada na rocha do Pico da Tijuca, com corrimão de correntes, para facilitar a subida do rei. Mas, detalhe que as autoridades brasileiras desconheciam, o rei era alpinista, esporte que acabou levando à sua morte. É, talvez a escadinha fosse necessária…
Outra rainha entre nós é a Guilhermina, ali no Leblon. Uma rainha holandesa, cujos antepassados reinaram sobre as terras da Rainha Elizabeth, a do Posto 6. Não é curiosa essa predominância da realeza feminina, da mesma região, na nomenclatura de nossas ruas? Guilhermina também se encontra em localização privilegiada, conectando a praia do Leblon à Rua Visconde de Albuquerque. Ela está próxima a três generais, Artigas, Venâncio Flores e Urquiza, dois uruguaios e um argentino, muito envolvidos em problemas da América Latina, mas que certamente seriam galantes com a rainha.
Reis têm menos prestígio para nomear logradouros públicos do Rio, apesar de nomearem um sem número de estabelecimentos comerciais, indo do mate aos celulares, passando por casas de sucos e de quibes. Dom João III, filho de Dom Manuel, nomeia uma rua de apenas uma quadra em Olaria. E nada mais.
Dois príncipes são agraciados com nomes de ruas na cidade: o Príncipe da Beira, em Del Castilho, e o Príncipe Regente, o futuro Dom João VI, em Paquetá. Em igual número, duas princesas dão nome às nossas ruas: a Princesa Isabel, com uma larga avenida em Copacabana, e a Princesa Januária, com uma pequena rua no Flamengo. Se a princesa Isabel é popular, a Princesa Januária, segunda filha de Dom Pedro I, é menos conhecida. Mas ela seria imperatriz do Brasil, caso Pedro II não sobrevivesse antes de ter filhos. As duas perderam a chance de reinarem.
O Imperador Pedro II nomeia a mais bela avenida de São Cristóvão e uma rua em Santa Cruz. Já seu pai, nomeia uma pequena rua junto à Praça Tiradentes, que homenageia o herói condenado à morte pela avó daquele imperador. É nessa praça, do enforcado, que se encontra o monumento em homenagem ao neto da rainha algoz. Confusões da construção da mitologia histórica brasileira.
A praça Tiradentes ainda separa a rua do primeiro Imperador da rua de sua primeira esposa, a Imperatriz Leopoldina, figura de grande proeminência nos acontecimentos da independência brasileira. Por falar em Imperatriz, duas ruas foram nomeadas em homenagem a esse título, a rua Imperatriz, na Maré, e a rua da Imperatriz, em Realengo. Seriam imperatrizes do samba? Escolas de Samba são mais pródigas com a realeza, como a Império Serrano, a Império da Tijuca, a Imperatriz Leopoldinense e a Lins Imperial.
Cinco viscondes, seis marqueses e uma marquesa, seis condes e uma condessa completam a lista de nobres brasileiros homenageados nas ruas cariocas. Nenhum rei do Congo, nenhum rei mago, ou rei momo foi lembrado. E, apesar de ter reinado por 70 anos, a Rainha Elizabeth II, a do Reino Unido, também não está em nossas ruas. Ela que lançou a pedra fundamental da ponte que segue homenageando um ditador.